20 de janeiro de 2010

mudanças

O tempo pôs a mão na tua cabeça e ensinou três coisas.

Primeiro: você pode crer em mudanças quando duvida de tudo, quando procura a luz dentro das pilhas, o caroço nas pedras, a causa das coisas, seu sangue bruto.

Segundo: você não pode mudar o mundo conforme o coração. Tua pressa não apressa a História. Melhor que teu heroísmo, tua disciplina na multidão.

Terceiro: é preciso trabalhar todo dia, toda madrugada para mudar um pedaço de horta, uma paisagem, um homem. Mas mudam, essa é a verdade.



(Domingos Pellegrini Jr.)





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revolvida

resolvo jogar fora papéis. muitos papéis que nos acumulamos. olho. olho. olho. cada papel jogado fora revolve-me por dias. todos os obscuros pensamentos que somos. todos os públicos personagens que fomos. sou um fundo de mar revirado pelas águas de um rio.


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19 de janeiro de 2010

insônia

escreva sem o pudor dos que pensam morrer. escreva a palavra cada colecionada nas imensidões de quem não espera. escreva coleções raras dos que não se sabem — moedas selos guardanapos — cotidianos se perdendo para serem achados. escreva nadas como por trás do que somos tudos rumores se expõem. escreva barulhos de estômago balbucios dos sem sono as letras na escuridão do mar que se fazem companhia na garrafa de um mundo analfabeto. escreva, apenas.
ele disse.




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18 de janeiro de 2010

o mito do eterno retorno


É ainda por o Ano Novo repetir o acto cosmogónico que os doze dias que separam o Natal da Epifania são ainda hoje considerados como uma prefiguração dos doze meses do ano. É por isso que todos os camponeses da Europa determinam o tempo de cada mês e a quantidade de chuva por meio de sinais meteorológicos desses doze dias.


(Mircea Eliade)





7 de janeiro de 2010

nascimento

sair pelo mundo a ver os bichos e brincar.

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dois

estar deste lugar a outro lugar. os todos quereres e a longa estrada.


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três

um menino desapareceu no mar.


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quatro

o luto é a passagem do tempo. cada um reluta a percorrer o mundo.


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cinco

depois, o dia do nada. só o vago mar imenso à nossa volta. o rio indo por onde.


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seis

falta vento. falta por dentro o ar de mim. abrir poros e ocultar ossos.


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sete

juntos esperamos o silêncio da noite imaginária de todos os povos. veio a chuva.


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oito

o que é, mesmo, que se faz com tanto dente?


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nove

água.


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dez

muito tempo olhando o mar da justa, exata desproporção.


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onze

mapas não têm alternativas. são imprecisas curvas para encontrar os caminhos.


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epifania

deslizar por dentro do que somos tempestade. cegos à procura da luz.


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