10 de fevereiro de 2011

aviamento

não sei se qualidade ou defeito. reconheço pessoas que revejo ao longo da vida. e, na distância mínima de um dia, mais ainda. sei que é a mesma a mulher a subir a avenida que a descia uma hora atrás. reconheço os sapatos do homem que na minha frente pela calçada segue e sei por vezes o ônibus para o qual fará sinal. na escola ao lado da minha casa há uma risada que distingo e muitas vezes espero para que o meu dia comece. e os cheiros que acompanham rostos. permanecem. mesmo quando quero me livrar, ali estão. e não é só o aroma de um perfume, o cheiro do jasmim na noite quente, não. me persegue o cheiro da morte no absurdo da guerra, o cheiro que precede os aviões em bombardeio, o cheiro de quem rasteja no silêncio, o cheiro nosso intenso único. sei a fome tem cheiro. mas também o pão.

não pedi. e ele contava. um sotaque que não reconheci e não me permiti perguntar. quando se ocupou de linhas, peguei meu pacote, pequenas agulhas para sedas, e saí.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que ótima costura!

Ana de Longe disse...

Uma mulher morreu em lisboa, seu corpo dissolveu na cozinha. o cão, seu único amigo, morreu na varanda. Nove anos se passaram até encontrarem o não-corpo. Apenas uma vizinha suspeitou de sua morte. A polícia nao abriu a porta, porque não havia cheiros. Ninguém sentiu sua falta. Ninguém sentiu seu cheiro.
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=11293