23 de maio de 2012

e vejo alguém passar de relance


tenho dentes amarelos de fumante que nunca fui e o fígado inchado.há alguém em mim que fuma e bebe? um outro me habita e não sei? ninguém. me diz.
ando pelos jardins de luxemburgo e volto a ter seis anos e volto a gostar de paisagens pintadas com pétalas intensas, laranjas mais que maduras entre folhagens.
estou à deriva. sempre. sempre. sempre.
dedos sujos de nicotina, a dentadura postiça. pernas que não se firmam imensas colunas me desabam. poderia escrever cartas, muitas cartas. melhor assim.
quando finalmente for à índia o primeiro item da lista será a bagagem.e todo o resto se completaria.
nos caminhos do parque há pedrinhas minúsculas.já não entram nos sapatos. eu descalço.

21 de maio de 2012

há flores nos ramos

considerar a vida um momento transitório
entre o nada e o eterno
traz o risco de não nos permitirmos
cultivar qualquer planta
criar qualquer bicho.
considerar a vida um instante mágico
depois do nada anterior e antes do nada eterno
traz o risco de não nos permitirmos
cultivar alguma planta
criar algum bicho.
considerar a vida
traz todos os riscos.
todo o extático.

16 de maio de 2012

ser estéril, ¡y con tantas sensaciones! perpetua poesía sin palabras.
(emil cioran, traducido por esther seligson)

14 de maio de 2012

a contemplar o avesso

a poesia assusta. o que seria ponte entre uma vida e outra vira uma cerca de arame e farpas, um fosso. o medo da frase quebrada em verso quebra o ritmo que o poeta queria construído.
a lagarta de alice diz não gosto de poesia. mas lê paris e gosta, sim, claro que gosta da poesia que está ali, aqui.
fui a uma noite de poesia. entre vitrais e escadarias, uma pequena multidão. também tenho medo de poetas. destes que levitam e cujo poema de três linhas necessita um livro de mil páginas para então ser entendido e ecoar.
na língua que aos poucos me amanhece, eu pensava zebras. gnus. manadas.
às vezes uma gazela, um elefante se largam e se entregam ao predador para que o coletivo prossiga correndo correndo correndo, acreditando-se liberto a atravessar planícies em ruído.
o humano gregário: também um se entrega. ao pensamento da morte, do medo, do intenso da alegria. se entrega à solidão. ao amor. ao espanto. ao grito.
sem o farpado do arame, eu paro. a ler o que devora o um que se deixou desproteger.