17 de maio de 2013

o cavalo do bandido

um figurante que aparece longe, desfocado, limpando as cacas do cavalo do bandido escreve para me contar que o universo não é infinito, que a quantidade de matéria e energia mantém-se desde a tal grande explosão primeira e que nada, nada se cria a si mesmo - delicadamente ele me lembra que tudo isso já se sabe há algum tempo - e esse figurante também me diz que as galáxias que vemos podem ser reflexos, apenas, e que o universo curvo permite à luz encurvar-se e passar por nós uma e outra vez, e ainda vir a ver-nos bilhões de anos depois, quando na verdade nós já nem estaremos, e todos pensaremos veja, esta luz, nem parece a mesma, como não parecem as mesmas as partículas que desaparecem aqui e aparecem ali e outras que nem se sabem ondas ou partículas. tudo isso para que ele possa, por fim, se dizer quase satisfeito em ser existente nesta escala nada, que vai do tamanho mínimo do átomo ao tamanho indefinido do espaço. e é o quase, este, que o livra de um harakiri.

(inspirado em mensagem de álvaro vianna)

7 de maio de 2013

estrelando


li – onde foi que eu li? – que a vida é mais tranquila se a gente se pensa dentro de um filme sobre a gente mesmo. como somos muitos, somos muitos filmes projetados em muitas telas simultaneamente. no meu filme, sou eu o personagem principal. meus medos, alegrias, aflições, descobertas, raivas, tristezas. minha noite, minha véspera, meu dia seguinte, minha memória. a trilha musical, inclusive, minha. no filme do outro, de qualquer outro, sou só um figurante, aquele que passa de relance com a camiseta da cor exata. no filme do cara que cruzo na rua ou da mulher que compra peixe na feira ou do companheiro ou do filho ou do meu gato ou da árvore, da mãe, do pai, do planeta, do cão, da tempestade, nesses filmes sou só figurante. quando muito, com muito esforço e só por um tempo tempinho, chegarei a ser coadjuvante. com muito talento, um bom coadjuvante. 
na verdade não sei se a vida fica mais tranquila. talvez seja outra coisa: essa ideia ajuda a cavar mais pequenos silêncios no dia. e ser coadjuvante de silêncios. figurante, antes.

2 de maio de 2013

exercícios

foto: adauto araujo


Às vezes me apareces à memória
como uma cidade vista desde o mar:
com a ânsia de aportar aí
ou como o mar visto entre as ruas de uma cidade:
com a ânsia de banhar-me aí.

Às vezes a sua lembrança cresce em mim
como uma cidade que derruba as muralhas
e as novas ruas que se cruzam
dizem o teu nome
e o meu.

Às vezes me esqueço que te foste
e falo contigo como um semáforo
que muda de cores
numa rua deserta.

Às vezes tenho claro
que o único lugar onde pude viver sem o mar
foi o teu corpo.

Às vezes te esqueço
como uma cidade que de noite
não vê o seu mar negro.

E tu também vais me esquecendo
como um porto cada dia com menos navios
com menos mar a cada dia.


manuel forcano - llei d´estrangeria
tradução: veronika paulics


o original, em catalão:

De vegades m´apareixes a la memória
com una ciutat vista des del mar:
amb l´ánsia d´arribar-hi,
o com el mar vist entre els carrers d´una ciutat:
amb l´ánsia de banyar-m´hi.

De vegades el teu record creix en mi
com una ciutat que enderroca les murrales
i els nous carrers que es creuen
duen el teu nom
i el meu.

De vegades oblido que vas anar-te´n
i et parlo com un semàfor
que canvia de colors
en un carrer desert.

De vegades sóc conscient
que l´unic lloc on vaig poder viure sense el mar
va ser el teu cos.

De vegades t´oblido
com una ciutat que de nit
no veu el seu mar negre.

I tu també em vas oblidant
com un port cada dia amb menys vaixells,
amb menys mar cada dia.