26 de agosto de 2013

um redondo e sonoro "ah!"

Era uma vez um homem que um dia decidiu ser escritor. E o leitor pergunta: “Que homem, exactamente?” E eu respondo: “Um homenzinho pequeno, sólido, na casa dos quarenta, com óculos de lentes grossas, dessas que tornam os olhos muito pequenos e distantes, e uma cabeça em forma de pêra, a alongar-se para o céu e a ameaçar desprender-se do corpo a qualquer momento.” E o leitor pergunta: "Em que dia precisamente decidiu ser escritor?" E eu respondo: "Precisamente no dia 28 de Julho."
Pois bem, o homem dedicou-se então a inventar uma técnica que lhe permitisse cumprir esse desejo sem grande esforço. Colocou as mãos nas têmporas, adoptou o ar meditativo de um sábio alemão (jamais esquecerei o seu ar meditativo de sábio alemão) e, duma só vez, inventou várias técnicas. A mais simples consistia em engolir grandes quantidades de palavras até soltar um redondo e sonoro "Ah!" de satisfação.
O homem recolhia esse “Ah!” e colocava-o entre as páginas de um caderno em branco. Em pouco tempo o “Ah!” transformava-se, secretamente, numa história.
E o leitor, fazendo uma pregazinha irónica com a boca, pergunta: “Mas como se passava a coisa, objectivamente?” E eu respondo, tirando dos lábios o resto de uma beata: “Objectivamente, ninguém sabe como a coisa se passava. E embora não seja muito experiente nesta matéria nem tenha a pretensão de a esgotar por completo, o que me parece é que as histórias cresciam a partir desse ‘Ah!’ como uma semente e o seu rebento. A palavrinha crescia e transformava-se numa longa e maravilhosa história.”
E eu pergunto: “A coisa passar-se-ia realmente assim?” E eu respondo: “Por um lado, talvez sim, por outro, talvez não. Mas é provável que não.”


(rui manuel amaral, daqui)

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