24 de fevereiro de 2017

dois poemas de leandro durazzo

os pavões comeram os brotos de mamoeiro.
uma avó faleceu hoje cedo. como sempre,
estou distante, mas acendo
uma vela no altar, um incenso, e saio a catar
folhas secas em torno da casa. mosquitos me acossam
enquanto eu coço as pernas, pensando
melhor, rastelando
sem muito pensar.
é fim de inverno, as plantas
morrem para nascer outra hora, em outros pés, outros lugares.
rastelo as folhas caídas, sentindo o cheiro da grama
viva por sob tudo. um sagüi se pendura no cajueiro,
mascando o sumo, comendo o fruto que ainda não.
um bem-te-vi pousa perto, as folhas secas eu jogo
por cima da cerca, direto no matagal. todo passado há de adubar,
todo presente há. na ponta de um ramo seco
desponta uma folha verde. o ninho de passarinhos vive.




O cheiro do ralo
Quando as coisas curiosamente se tornarem tortas, estranhas, fora do lugar como uma foca albina, não sinta pena de si mesmo, nem de nada, nem de voo. Quando as coisas se esquecerem delas próprias, não se esqueça. Se alguma coisa for engano, se algum engano for a coisa, o meio termo de tua vida não deve te deixar de cama. A um nível cósmico tua vida não importa. A um nível micro, há mais coisas a fazer. O teu pequeno incômodo não se encontra nem na alta nebulosa nem na urgência do banheiro, na pequenez do ralo entupido, da banheira. Confie que o universo sabe tomar conta de si. Quando tua meia vida parecer errada, faça o que é preciso fazer, dê atenção ao que precisa ser atentado. Ajoelhe-se e limpe o ralo. Não há qualquer razão para tua mente estar em outro lado, em outro estado. Se a água não escoa mais, se é de limpeza que ali precisa, chegue lá, faça aquilo. De joelhos nos ladrilhos, com as mãos - de preferência -, seja a limpeza. Ouça as nebulosas longe se movendo, ouça estrelas, olhe a água suja a ser sugada novamente. Se o ralo entope, limpe-o. Não há qualquer razão que te autorize a não fazê-lo.



Cuando las cosas, curiosamente, se vuelvan del revés, extrañas, fuera de lugar como una foca albina, no sientas pena por ti mismo, ni por nada, ni por el vuelo. Cuando las cosas se olviden de sí mismas, no te olvides. Si alguna cosa fuera un engaño, si algún engaño fuera la cosa, el término medio de tu vida no debe dejarte en cama. A nivel cósmico tu vida no importa. A nivel micro, hay más cosas por hacer. Tu pequeño malestar no se encuentra ni en la alta nebulosa ni en la urgencia del cuarto de baño, en la pequeñez de la rejilla atascada de la bañera. Confía en que el universo sepa cuidar de sí mismo. Cuando tu media vida te parezca equivocada, haz lo que hay que hacer, atiende a lo que hay que prestar atención. Arrodíllate y limpia la rejilla. No hay ninguna razón para que tu mente esté en otro lado, en otro estado. Si el agua no corre, si lo que hace falta es limpieza, ve, hazlo. De rodillas sobre las baldosas, con las manos –preferentemente– sé tú la limpieza. Escucha las nebulosas moviéndose a lo lejos, escucha estrellas, mira el agua sucia como es absorbida de nuevo. Si la rejilla se atasca, límpiala. No hay ninguna razón que te permita no hacerlo.


(traducción: v.paulics y joan navarro)

Nenhum comentário: