21 de maio de 2017

poesias de muitas mulheres

ODE
(Orides Fontela)
O início? O mesmo fim.
O fim? O mesmo início.

Não há fim nem início. Sem história
o ciclo dos dias
vive-nos.


SOBRE UM FILME DE WONG KAR-WAY
(maria esther maciel)

O corpo e seus possíveis.
O dentro que, na pele,
vira flor.
Os cheiros, a memória
do que, de tão breve,
não fica
senão como sombra
líquida
quase cítrica
desse amor.



(ana cristina cesar)

Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água
a espera do café

Badland 
(matilde campilho)

Não sei se sou homem
já não sei se sou
homem
se sou besta
se tenho olhos azuis
ou mesmo se visto
camisa azul.
Também já não sei
se seguro um toco
meio ardido, aqui sentado
na esplanada desta cidade
cujo nome é Tavizkam.
Não sei se sobre meu ventre
foi depositada uma concha, há uns
1000 dias atrás.
Não sei se sou automático, se devo
trabalhar, pagar o revólver a prestações,
fazer remo, correr na calçada, usar
camisa esquadrinhada, escrever em
cedro esquadrinhado. Eu não sei
se possuo uma barca, se possuo
ossos que podem apodrecer
a qualquer hora. Eu não sei os nomes
dos poetas todos mas sei que os poetas
todos são os novos roqueiros. Eu não
sei, só sei que antes julguei que
os poetas eram escavadores.


Aquele amor
aquele que eu pensei
que se despedaçaria como
um meteorito no Minnesota
(uma coisa assim
estrondosa abusiva
gritante maravilhosa
estilhaço prolongado
cheio de uivos)
afinal caiu silencioso
como um aviãozinho de papel
passeando em Itaparica
em dia da apanha dos morangos.

Não sei se sou homem,
se sou mulher. Mas este
é o caminho do estio
e por perto passam os bois.

§
caça à palavra 
(ledusha)

repleta, minha alma espreita atrás do estrume do mundo:
de onde vêm os versos, que face ocultam entre o amor e a morte?
às vezes os sons são os mesmos, as texturas, o tempo,
o mesmo homem a revolver-me as veias
onde se lacram as vãs repetições, que noite veste o poema?
o sol nos vasos de crisântemos, ecos de um triste país,
largos horizontes onde meu pai passeia verbos nem sempre sublimes.
tudo é memória, sirenes ligadas. a infância sempre ontem, mas aqui.
todo verso sugere uma serpente oferecida.
que na minha caça à palavra (que face ocultam o amor e a morte?)
não haja qualquer vislumbre de repouso.

(valeska de aguirre)

O Sul é meu retorno
Meu jazz
Meu juízo final


Meu sul é submerso
Se fico, afogo

Minha solidão
Meu calabouço

Minha galeria siberiana
Branca branca branca



En elogio de mi hermana
(Wislawa Szymborska)

Mi hermana no escribe poemas
y es improbable que de pronto se ponga a escribir poemas.
Le viene de mi madre, que no escribió poemas,
y de su padre, que tampoco escribió poemas.
Me siento a salvo bajo el techo de mi hermana:
nada pondrá al esposo de mi hermana a escribir poemas.
Y aunque la cosa suena a poema de Adam Macedonski,
a ninguno de mis parientes le da por escribir poemas.


En el escritorio de mi hermana no hay poemas viejos
ni poemas nuevos en su bolsa.
Y cuando mi hermana me invita a comer,
sé que no es con la intención de leerme poemas.
Cocina sopas soberbias con facilidad,
y su café no se derrama sobre manuscritos.

En muchas familias nadie escribe poemas,
pero cuando no es así, rara vez es uno solo.
A veces la poesía fluye en cascadas de generaciones,
lo cual instala temibles remolinos en las relaciones familiares.

Mi hermana cultiva una decente prosa hablada,
toda su producción literaria está en tarjetas postales
que prometen lo mismo cada año:
que cuando vuelva,
nos va a contar todo,
todo,
todo.



(angelica freitas)

porque uma mulher boa
é uma mulher limpa
e se ela é uma mulher limpa
ela é uma mulher boa


há milhões, mihões de anos
pôs-se sobre duas patas
a mulher era braba e suja
braba e suja e ladrava

porque uma mulher braba
não é uma mulher boa
e uma mulher boa
é uma mulher limpa

há milhões, milhões de anos
pôs-se sobre as duas patas
não ladra mais, é mansa
é mansa e boa e limpa




A mão (Conceição Lima)

Toma o ventre da terra
e planta no pedaço que te cabe
esta raiz enxertada de epitáfios.

Não seja tua lágrima a maldição
que seqüestra o ímpeto do grão
levanta do pó a nudez dos ossos,
a estilhaçada mão
e semeia

girassóis ou sinos, não importa
se agora uma gota anuncia
o latente odor dos tomateiros
a viva hora dos teus dedos.





(benedicte houart)
são as mulheres que
fazem chorar as cebolas
como se descascassem a própria vida
e, arredondando-se então, descobrissem
um corpo, o seu
uma vida, a sua
e, no entanto, nada que de verdade
pudessem seu chamar
ou talvez sim, mas só
aquela gota de água salpicando
um canto do avental onde
desponta uma flor de pano colorida que
ainda ontem ali não ardia


A vida responsável 
(Amalia Bautista)
Dirigir sem causar acidentes,
comprar desodorante e macarrão
e cortar as unhas das minhas filhas.
Madrugar outra vez, ter cuidado
para não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas páginas
que não me importam nada
e retocar as bochechas com ruge.
Lembrar da consulta ao pediatra,
responder ao correio, pendurar a roupa,
declarar os rendimentos, ler livros
e fazer umas chamadas telefônicas.
Gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo que quisesse
para fazer um monte de coisas estranhas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e bobas.
Por exemplo, te amar com loucura.


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