quem adivinharia as fomes da minha avó? quem veria as fomes da minha mãe? uma neblina densa nos cega e não vemos as crianças na beira de um mundo que se esfacela. 
minha avó dizia para minha mãe que dizia para mim e minhas irmãs: não olhe para o lado ruim da vida, e desviávamos a vista do medo, do assédio, dos acidentes. vivíamos docemente instaladas num coração que nada vê por não conhecer as sombras. 
foi preciso um raio, um talho na pele inflada e túrgida, para que a ferida purgasse os vermes, os venenos, os estupros, a dor. 
para que, enfim limpa, a ferida fosse fome. 
a fome que move o mundo, não a que o mata e nos devora desde dentro.
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