30 de junho de 2010

pequena concessão a se desdobrar mil







"existirmos a que será que se destina?
pois quando tu me deste a rosa pequenina vi que és um homem lindo e que se acaso a sina do menino infeliz não se nos ilumina, tampouco turva-se a lágrima nordestina, apenas a matéria vida era tão fina...
e éramos olharmo-nos intacta retina, a cajuína cristalina em Teresina..."

(caetano veloso)

25 de junho de 2010

por mil anos

morreremos da memória do mundo. é tão certo quanto havermos nascido. ainda que letras esparsas, um gene ou um diverso jeito de olhar por sorte ou azar ultrapassem séculos poeira descendentes, um dia desapareceremos opacos esparsos na matéria humanidade.
divindade.
que nos esquecemos.


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24 de junho de 2010

na companhia dela

"Corroendo
As grandes escadas
Da minha alma.
Água. Como te chamas?
Tempo.

Vívida antes
Revestida de laca
Minha alma tosca
Se desfazendo.
Como te chamas?
Tempo.

Águas corroendo
caras, coração
Todas as cordas do sentimento.
Como te chamas?
Tempo.

Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo."

(Hilda Hilst, Da morte, odes mínimas)


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11 de junho de 2010

silencio



um silêncio na paisagem.
e esta luz.


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sacada



o telefone toca. a vizinha corre para atender. daqui consigo ouvir. ela chora.
faz dez dias que a vizinha chora. sempre que o telefone toca, o choro só piora.
fecho janelas. fecho portas. tapo orelhas. nada. um choro baixinho, um choro alto, um choro de qualquer dia. a vizinha.
pedi aos da companhia telefônica que desligassem o telefone da vizinha. quando expliquei, concordaram. o telefone já não toca. ela chora.
fui até a casa da vizinha saber se posso ajudar. não consegue parar de chorar. e quando vi a casa, também chorei: uma poça se forma no meio da sala. a água vem do telefone ligado ou desligado. a vizinha tem medo da poça.
digo já vou. não, ela diz.
qualquer barulho revira a poça e dela brota o inacreditável. estou presa a seus olhos. enrola-se na vizinha. submergem. não consigo sair. e choro.


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10 de junho de 2010

pedra farpada




alguns dias as palavras não passam de um monólito de impossibilidades. escarafuncho, reviro, nada. nem uma se deixa pescar separada do todo. uma grossa resina une-as. eu teria tanto a contar, mas elas nada, nada, nada querem dizer.


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1 de junho de 2010

conversa com marcos e sua plantação

escrever é reler e reorganizar. o primeiro momento, aquele que nasce da intensidade do sentimento ou da ausência de sentido, é sempre e tão somente o primeiro momento, primeiro movimento. o escrever e tornar universal o conjunto do que somos ao nos escrevermos é o de lapidar a pedra, podar a planta, depurar o caldo. mesmo que nada seja feito, estão ali a beleza da pedra, a presença da planta e o sabor do caldo. mas um pouco aquém das intensidades que lhes seriam possíveis numa nova olhada, numa nova seqüência. para mim, escrever e não reorganizar é como fazer compras no mercado e deixar tudo ensacado no chão da cozinha. tudo está ali, mas nada está porque quando preciso não sei onde o sal, nem sei do café.

(abóboras pelo chão)


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