24 de setembro de 2014

e, de repente, estanco

Um homem e sua vida (Yehuda Amichai)

Não. Um homem não tem tempo na sua vida
para ter tempo para tudo.
Não tem momentos que cheguem para ter
momentos para todos os propósitos.
O Eclesiastes está enganado acerca disto.
Não há o tempo de amar e o tempo de odiar.
Um homem precisa amar e odiar no mesmo instante,
rir e chorar com os mesmos olhos,
com as mesmas mãos atirar e juntar pedras,
fazer amor durante a guerra e guerra durante o amor.
E odiar e perdoar e lembrar e esquecer,
planejar e confundir, e comer e digerir...
Que a História leva anos e anos para se fazer.
e um homem não tem tempo.
Quando perde procura, quando encontra esquece,
quando esquece ama, quando ama começa a esquecer.
E a sua alma é erudita, a sua alma
é profissional.
Só o seu corpo permanece sempre
um amador.
Tenta e falha,
fica confuso, não aprende nada,
embriagado e cego nos seus prazeres
e nas suas mágoas.
Morrerá como um figo morre no Outono,
Enrugado e cheio de si e doce,
as folhas secando no chão,
os ramos nus apontando para o lugar
onde há tempo
para tudo.

traducao carlito azevedo

23 de setembro de 2014

para reaprender os contornos do planeta



“Andar é cair para a frente. Cada passo é uma queda interrompida, um colapso evitado, um desastre contido. Por isso, o ato de andar é também um ato de fé. Um milagre em dois tempos – um ritmo binário, com um momento de contenção e outro de liberação.”

Paul Salopek, na National Geographic Brasil de dezembro de 2013, início de seu primeiro relato de um trajeto de 33 mil quilômetros a ser percorrido a pé. Serão sete anos na rota do homo sapiens da África à Terra do Fogo: “Ando para reaprender os contornos do planeta. Ando para ver o que há mais além. Ando para lembrar.”

2 de setembro de 2014

vinte e quatro por segundo

pode ser voce
pode ser eu
esta
mulher estrangeira
vinte e quatro quadros por segundo
nestes tempos pixels
película música fala
uma trilha incompreensível

suspiro

a pele branca sob a burca
a pele negra
quase nua
contagem regressiva
o pé na areia quente
o corpo que existe e se move
lento
a língua

um plano longo
tarkovski a regar a árvore
seca
nossos olhos secos
seus
meus
saber este corpo
suas regras
saber seus ciclos
incompreendê-los

seu vazio

o pensamento raso
quadro a quadro
fotograma
o tempo alucinado

a cidade nao nos existe