28 de setembro de 2020

na horta dos outros

Tomates de setembro

(Karina Borowicz)

O fedor de uísque da podridão paira
no jardim, e uma nuvem de moscas da fruta sobe
quando toco os tomateiros que estão morrendo.

Ainda assim, as garras de pequenas flores amarelas
se agitam no ar quando puxo as plantas pela raiz
e as jogo para adubo.

Parece cruel. Algo em mim não está pronto para
deixar o verão ir-se tão facilmente. Para destruir
o que cuidadosamente cultivei todos esses meses.
Essas flores pálidas podem estar ainda a tempo de frutificar.

Minha bisavó cantava com as meninas de sua aldeia
enquanto puxavam o linho. Canções tão antigas
e tão ligadas às estações que parecia que o som
é que mudava o clima.


22 de setembro de 2020

treze

 

 

acordou assustada como se o mar por fim lançasse na margem seu corpo estrangeiro e magro. viu nuvens confusas no céu de agosto e aviões. os roncos de motor atravessando a noite. tudo pode sempre ser só um princípio.

na cozinha escura foi o avô quem lhe ofereceu um copo e ela notou a árvore que eram os braços estendidos que sustinham a água. roçou galhos na casca áspera dos dedos.

depois, sentada naquele colo de raízes, esperou. a brisa derrubou folhas e algum fruto em desamparo. passaram em revoada fragmentos de dias vividos e outros tantos, passaram também estradas, pátrias, constelações. pequenas alegrias  pousaram em seus cabelos, feito ninhos.

ao tocar o chão, tudo tudo tudo se dissolvia e subia pelos troncos, espraiando-se.

também eu – seiva – subo subo subo e no alto posso ver a vida que se descortina tênue linha entre o amarelo e o rosa onde um mínimo sol desponta.

no colchão de crinas, dorme a memória dos cavalos.