29 de outubro de 2021

há quem

há quem diga esta terra é minha e ao firmar-se nela, nesta terra que diz sua, não nota como seu pé vai se metendo num buraco (sem fundo).

há quem grite aqui estão minhas raízes, mas é das raízes do outro que vive, parasita do que o outro colhe e ordenha, do que o outro brota e floresce.

o que diz e grita dorme.

são as raízes que vigiam e cuidam. atentas ao menor movimento da terra, que é de ninguém, que é dela mesma.

em seu segredo verde azul e algodão.

estendo as mãos.

25 de outubro de 2021

siga a gina

dia desses a gina me convidou para participar de um projeto que tinha um título muito instigante. tão instigante que na hora eu pensei que queria muito participar mas talvez não tivesse pernas para tanto. quero dizer, pensei que nesse momento eu teria tanto a dizer sobre o tema mas não teria como traçar instruções quanto àquilo que se poderia fazer para acabar com a situação que estava no tema da chamada. mas era a gina. e é difícil dizer não para um convite da gina. então, na minha cabeça eu disse que não teria como participar, mas em algum lugar de mim se desencadeou um processo. porque, afinal de contas, era um convite da gina.

conheço há gina há muitos anos, não sei bem quantos. alguma coisa ali por volta de 2010, quando organizávamos os piqueniques perto de casa e nesta mesma época a neide me apresentou a inês e a inês, ao conhecer o blogue, me falou de um blogue coletivo e nesse blogue coletivo estava a gina. nunca vi a gina ao vivo e a cores. ou seja, conheço a gina sem conhecer. e mesmo assim, sem conhecer pessoalmente, é alguém de quem eu gosto muito.

acho que o blogue que a ines me apresentou se chamava encaixe.

o nome da gina automaticamente me remete para uma lembrança de infância, da caixa de palitos. e uma piada boba de quinta série, quando a gente ria quando ouvia a palavra vagina sem saber que um dia chegaria à conclusão que se tem mais medo de quem tem vagina do que da palavra vagina, em si, mas uma coisa muitas vezes acompanha a outra. não sempre.

voltemos à gina. não sei quando, mas já tínhamos alguma interação, a gina lançou um pedido – acho que no fb, mas também não tenho certeza – para que as pessoas fizessem um desenho da cara dela a partir de uma mesma foto. e lá estava a foto da gina. o olhar dela olhando séria, e um sorriso de canto de boca.

não sou desenhista, mas gosto de rabiscar. já me meti a perguntar se serviria assim também. daí peguei a foto e fiz um desenho com um lápis vermelho. lembro do meu processo, de olhar a tela e olhar o papel e o lápis vermelho e o medo de perder o mais importante, que era o olhar da gina. quando acabei o desenho, traços simples em vermelho sobre papel branco, notei que o olhar dela tinha, de fato, se perdido. mas era o meu melhor. quero dizer, o melhor, naquele caso, era poder estabelecer aquele diálogo com ela, alguém cujo trabalho eu admirava (e admiro) mesmo sem entender bem os conceitos envolvidos, etc. 

um dia quero escrever sobre este processo, de usar uma técnica que não domino para fazer um desenho a partir de uma foto de alguém que não conheço. acho que mandei o desenho pelo correio. faz tempo tudo isso, a memória fica difusa. e nunca vi o resultado de todos os desenhos reunidos, não sei quanta gente desenhou, que técnicas usaram. não sei nada. sei que a gina ficou ali, existindo e eu continuei acompanhando os passos dela. redes virtuais. e a gina no meu radar

é sempre discreta a presença dela. mas sempre me toca. ou porque está num perrengue e precisa urgentemente vender várias obras, ou porque se posiciona a favor de coisas que eu também sou a favor. ou se manifesta contra alguma coisa que eu também sou contra. isso que a gente diz de estar do mesmo lado. do lado esquerdo e um pouco selvagem da vida. não este esquerdo partidário, só. não, um estar à esquerda de quem nao acha que o mundo do jeito que está esteja bom. e que é possível construir caminhos. ou seja, o que ela faz, o que ela diz, o que ela pensa, propõe e as coisas com as quais ela se desconforta e não se conforma me tocam de perto.

é uma destas pessoas que às vezes passam pelo meu pensamento e eu desejo que a vida dela seja boa, seja intensa, que ela encontre alegriazinhas no cotidiano, que ela encontre amor e não se canse demais. pra que eu possa seguir com ela mais muitos anos, ela com a arte dela tão profissional, eu com a minha escrita quase amadora, numa mesma estrada, e de vez em quando do meio da multidão ela me acena, ou eu grito um bom dia, gina! e a gente sorri uma pra outra.

por tudo isso, quando ela me pediu e eu pensei dizer não, meu corpo todo se mobilizou para que eu fosse capaz de dizer sim. e eu disse. mandei o texto pra ela quando ainda faltavam oito dias para terminar o prazo. e claro que precisei da ajuda dela para formatar. fui incapaz de fazer isso por mim mesma porque cada vez domino menos ferramentas. concentro-me em embaralhar o alfabeto que nem sempre é fácil também.

e sempre sigo a gina. a gina dinucci.  

onde quer que ela vá.

11 de outubro de 2021

poeminha besta sem pé nem cabeça

ruínas e casas cidades escombros
medos palavras vão 

chuva na mata flor de pitanga
lapso de cor 

lápis no tempo bordado do avesso
uma faca no figo rasgado ao meio
constelações e vento
virá o temporal 

alguém do nada chegará no nada
tapa na cara semente no gelo são jorge e o dragão

memória rasa pra sair da devastação 

viajo sem sombra
sinos caindo do céu 

sou tronco lenhoso
filhos perdidos
brotados em fogo água chão

 

9 de outubro de 2021

...

a memória organizada em palavras é um registro fugaz da nossa passagem pelo tempo. mãe água casa céu pai pão fome voo dor leveza morte prazer. quem seríamos se não lembrássemos quem fomos?

3 de outubro de 2021

fim, substantivo

se o princípio foi o verbo em movimento, o final será só substantivos empilhados, estocados lado a lado no caminhão de mudança.

a casa vazia.

nossa alma dando voltas como um cão que busca posição para dormir.

o vento levanta as folhas secas.

alguém fecha a porta.