23 de abril de 2018

baba yaga baba vanga


nas montanhas de rupite, na bulgária, antes da primeira guerra, nasceu uma menina. crescia como todas as meninas. até que uma tempestade a arrastou por quilômetros. foi encontrada num bosque, os olhos, que haviam sido azuis, ficaram cheios de pó e areia.  cegos. cegos para o mundo tal como o vemos. em sua cegueira, começou a dar notícia de futuros, vivos e mortos. em seus olhos fechados ela via fora do tempo, além do tempo. antes de morrer, ela diz: uns anos mais e faremos pactos construindo uma sociedade comunista em que a natureza será recuperada. que trezentos anos mais e saberemos o que é viajar no tempo, que a terra não será mais habitável mas os humanos seremos bilhões e imortais e poderemos falar com deus. no ano cinco mil este universo terá fim.
buscava uma foto que vi no consultório do dentista mas que na hora não me pareceu tão marcante e agora. nas primeiras páginas da revista, havia a imagem de uma medusa muito delicada, que a um simples toque se pulveriza. na foto, a medusa -  ou eram muitas medusas? – parecia uma galáxia luminosa mergulhada na escuridão, ou parecia as fotos que se divulgam quando se anuncia galáxias distantes e sabemos que estas fotos foram coloridas artificialmente, para que acreditemos, tanto quanto pintam as fotos do sol – que é branquíssimo – usando tons de amarelo e laranja, para que não duvidemos do que os olhos não veem.


quando tudo me desconforta, gosto de ler notícias do cosmos, como se o cosmos fosse uma coisa lá longe, desconectada do que sou. ou leio noticias do microcosmos, as pequenas descobertas, as novas teorias para compreender energia espaço tempo, como se não fosse eu também energia espaço e tempo,como se não estivesse eu também neste micro e neste macrocosmos, todos tão desconhecidos: o micro o macro e eu.
de uns tempos pra cá passei a ler também notícias sobre profecias. daquelas a la nostradamus. mas há outras, havendo muitos profetas em todos os cantos. um tipo específico de profecia que me encanta não é a que simplesmente anuncia tragédias que cabem na nossa concepção de mundo atual, e vamos buscando a coincidência entre profecias e fatos pra ver se fazem sentido. o que eu gosto nas profecias é quando, depois de anunciar uma tragédia contemporânea, nos falam de mundos e possibilidades para daqui a muitos mil anos. e ao fazrem isso, rompem com a lógica que temos de mundo.
recentemente li umas profecias que se conectavam com o macro e o microcosmos. as profecias já são antigas, sendo novas só para mim, que cheguei nelas buscando uma foto de uma antomedusa que vi numa national geographic à espera no dentista. pois estas profecias, desta mulher que ficou cega ao ser levada por um vendaval e só depois de cega passou a ver o futuro, falam de coisas como humanos vivendo em marte, sociedade comunista que recupera a natureza, catástrofes naturais que levam o humano para muitos outros lugares, humano que aprende a viajar no tempo, que os humanos seremos bilhões e imortais e poderemos falar com deus. no ano cinco mil este universo terá fim. mas seguiremos.
se se cumprir a profecia, penso com um misto de medo e assombro que um dia seremos imortais e poderemos falar com deus.
enquanto isso leio (e choro) uma longa, triste e linda elegia. um poema para um filho morto.

14 de abril de 2018

orides

quando na adolescência o umbigo é enorme, me lembro de achar que eu é que tinha nascido em tempos ásperos. o tempo era de pobreza e ditadura no brasil, ocupação soviética na hungria (de onde minha família tinha saído), a guerra fria como uma lâmina sobre o pescoço do mundo. o mundo injusto. o mundo em guerra. e nas histórias que ouvia, me surpreendia que houvesse amor na guerra. que pudesse haver quem se apaixonasse quando tudo bombas e escombros, que tivesse filhos na fome, que cantasse na dor, que escrevesse poesia nos horríveis tempos da guerra. depois, bem depois me dei conta que o mundo está todo o tempo em guerra. em guerras. no meio das guerras nascemos e morremos e, de uma ponta a outra, a vida.
cresci e os pés no chão me lembram o tamanho que sou. o tamanho de todo ser vivente, existente. a guerra, as guerras, e a gente canta. a gente ama, tem filhos ou não tem, cuida de uma planta, um bicho. cada um percorre os dias, o ar entra e o ar sai dos pulmões. no meio disso que vemos guerra, é possível abrir espaços para o que não é guerra. sementes de espaço-tempo de não guerra.
pensando nisso é que consegui me organizar para ler poesia nestes tempos. ler orides.
porque alguém um dia entrou estrangeiro numa livraria em são paulo, pegou um livro quase ao acaso e o abriu. e o leu. e alguma coisa ecoou. o poema de orides escrito muitos anos antes sobreviveu como uma semente de possibilidades.
e pelos caminhos que a vida nos leva, estou aqui, vivendo o momento em que a obra de orides é traduzida para o catalão por aquele um alguém que a encontrou ao acaso.
mesmo que os tempos sejam de guerra, respiro e cuido sementes.
 

“Semeio sóis
e sons
na terra viva

afundo os
pés
no chão: semeio e
passo.
Não me importa a colheita.”
(Orides Fontela)

5 de abril de 2018

falta de censo


tantas pessoas morrem e a gente não sabe quantas nascem fazem parte da nossa vida e a gente nem: uma luz se acende no andar de cima se apaga quarto ao lado ninguém vê os dias que passam manhã tarde noite um café um passeio na praia a gente não sabe a cara do vizinho quem vive perto quem vem de longe as luzes que se apagam que se acendem no inverno mais cedo no verão este calor e há quem sinta frio e há também quem diga eu sinto eu desisto. quantas pessoas. quem sabe.