31 de janeiro de 2011

cães

chegou e viu os cães. estendeu as mãos para que as cheirassem. eles cheiraram e lamberam. ofereceram o atrás da orelha para que ela os afagasse. ela afundou os dedos nos pelos dos dois cães. abanaram os rabos, entregaram-se dóceis.
ela brincou, então, com eles.
corriam, rolavam, ela jogava uma bola para que eles a pegassem. era bom estar com os cães.
dentro da casa, muita gente. nem todos ela conhecia.
com o cair da tarde, os cães, talvez cansados, ela pensou, começaram a empurrá-la, para que caísse. e ela caía mesmo sem querer. eram fortes os cães. e avançavam sobre ela. quase a lançavam para o alto. rosnavam. começaram a arreganhar os dentes. tudo ao mesmo tempo, o escuro avançando, ela teve medo.
foi se chegando perto da porta. os cães mordiam. ela abriu a porta e entrou e fechou.
ofegante, chorando, dizia os cães...
dentro da casa as pessoas riam, comentavam sobre sua paciência com cães.
ela ouvia pela fresta da porta os cães à sua procura, sentindo seu cheiro.
agressivos, raivosos, violentos.
eles arranhavam a porta e ela dizia os cães...
ninguém ouvia.
num segundo os cães se lançaram sobre a porta, com estrondo.
silêncio. e, no silêncio, ela pode dizer: os cães são lobos.

28 de janeiro de 2011

outra volta




o mundo, pleno de ires.
quando se vai, a paisagem parece permanecer.
mas, nunca: nada se mantém.
todo o tempo outro sempre outra e sempre a mesma.
o mundo a estrada a paisagem.
nada de volta.
nada volta.
nada.

11 de janeiro de 2011

lado a lado



a viagem mais é percurso que chegada. sabemos todos.
quando uma estrada, a vista do rio a banana na beira a noite morna e silenciosa na cidade de praça e coreto.
quando o cotidiano, é difícil ver o percurso e a parada no picar dos tomates.
minha mão interrompe a sua no guardar das roupas.
estou o que não quero ser.
o desejo um cardume desfeito de pequenos peixes prateados que não vi.

10 de janeiro de 2011

co-respondência

alguém pensa e se pergunta. outro responde e diz o que pode ter a dizer. sobre aquilo novamente alguém se questiona.
então, novas perguntas e o mundo mergulha em seu mistério correspondente.
há quem corresponda e silencie.
mesmo assim torna-se um ponto num mapa ainda que quase todo de desconhecido.
mas há também quem escreva e mande cartas.
férias é descobrir o horário que o carteiro passa. e maravilhar-se com seu nome de menino num sobrescrito.

7 de janeiro de 2011

avô e avó

como o espelho se estilhaça, com sua morte, sua essência em cada cavalo, todos os cavalos do mundo. ela, a garça que sobre eles pousa, a catar os carrapatos.

6 de janeiro de 2011

não me arrependo de nada que fiz

sendo a vida uma sucessão de escolhas, pequenas ou grandes, cada vez que se decide fazer uma coisa, decide-se não fazer todas as outras. dizer só me arrependo do que não fiz quer dizer o quê?

5 de janeiro de 2011

quando não vou a pé




o que pensa o soldado ao fazer a ronda em torno da casa dos oficiais perto de resende?
(passa um homem de chapéu de boiadeiro montado numa bicicleta. telefone para deficientes auditivos. diesel a 1,81 em dinheiro. use sempre o cinto de segurança.)
será que ele pensa na namorada no namorado na mãe triste ou feliz será que ele pensa no soldo do fim do mês ou pensa no pai ou na carreira ou não pensa em nada?
(mantenha a distância. parque nacional. tarifa de pedágio 9,20. posto sinderle.)
ou, ainda, fazendo a ronda a pé o soldado pensa no poema que perdi na estrada, onde o longo fio contínuo me diz para não ultrapassar?
eu tinha sete ou oito anos e vi um carro vermelho acidentado. trânsito lento. o homem deitado no asfalto. morto. e uma imensa poça da cor do carro.
(atenção travessia de pedestres). sempre me lembro.
e o fio intermitente me diz.