27 de abril de 2010

onde estarão estes meninos?




mãos na terra, ela cavuca cuidadosamente, e retira dentre os cacos dois mil e quinhentos nomes vivos.
cada um foi a seu modo um pequeno fardo, um pequeno saco carregado transportado transladado oculto por latidos na carroceria de um caminhão.
cães raivosos cercaram-na uma vez. pastores alemães de dentes pontiagudos massacraram suas mãos quebraram pernas. mas seu sorriso espelhado em outros (tipos de) cães permaneceu rechonchudo a fazer pontes valsas futuros por quase um século.
irene de varsóvia.
não há prêmios que legitimem nossa dignidade.
mas há coragens que nos fundamentam.


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14 de abril de 2010

história pequena à boca miúda





o homem se chacoalha em seus ossos amortecidos. ele liga e diz não acredito, você continua com essa história? quando você encasqueta com alguma coisa, constrói quatro paredes em volta, senta no meio e fica só esperando, teimando. amplie-se.
eu disse não sei me ampliar. quando muito, estico pernas e braços num espreguiço e reajeito-me sem sair do lugar.
mas assim, veja, mudei de vida, de casa, de cara, de cor de cabelo, jeito de vestir e andar. tanto que se aquele um amortecido me encontrasse agora perguntaria a mim por mim mesma e dele mesmo me pediria notícia. eu diria não acredito...


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12 de abril de 2010

um presente da sra. jabur

"descubro uma amiga-para-tudo
e vamos de preferência comum para a cozinha
mulheres da Lapônia de outros tempos?

como duas mulheres da Lapônia de qualquer lugar
lavamos, enxugamos, cozinhamos, comemos
rimos de pequenos segredos e do comum
e no instante do silêncio pelas frestas
em que tudo para, ali na cozinha, junto ao fogo
brota um rio

o som do fundo de nossas palavras
correndo água sem serem nossas, sendo
indo folhas

somos duas mulheres
duas xícaras de chá
e a memória quente
para-tudo é uma antiga planta medicinal
e o dia um instante-abertura
em que nunca mais será sempre"

(camila jabur)

8 de abril de 2010

dor

nada de luz ao abrir os olhos.
nada de silêncios.
nada de brisa ou temporais.
aos poucos a sombra substitui a escuridão
e um ritmo se impõe ao que é ruidoso.
depois, bem depois,
a claridade das manhãs
e um leve farfalhar de folhas.



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1 de abril de 2010

onírica




é de manhã. me levanto da mesa no escritório para uma água um café um alô, e, ali, você está. eu me assusto. nem um de nós poderíamos estar. não sei o que dizer. você não me socorre. mostro as flores por sobre as árvores por trás da grande janela iluminada. ao olhar o imenso vermelho aos nossos pés eu teria muito, muito a dizer. mas a boca. procuro contar um pouco sobre meu pai. perguntar pelo seu. como se ancestralidades nos resolvessem neste momento. minha boca segue cerrada. estive em pedaços. já não estou. vou-me embora. mas nada. nada nada consigo dizer enquanto me derramo enquanto você me abraça e quando se afasta e já não me vê, eu choro. um pássaro em meus silêncios.



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