31 de março de 2011

todas

sou hilda sou cecília
adélia domingo na missa.
sou adília
sofia florbela fabiana e janaína.
sou maria esther e seus nomes.
helena a caminho do sol.
na feira sou clarice
neide e noemi entre coisas pequenas.
angélica na praia alice infinitamente
camila num canto de haikai.

30 de março de 2011

descabelada

no caos do dia, pequenas meninas em trio me dizem você parece a janis.
meu coração aos pulos na alegria daquele inusitado. nem precisava ser joplin, bastava ser seus peitos sem pensamento em largas praias de um rio de janeiro.

29 de março de 2011

frio

baixo os olhos e passo ao largo da mulher sentada na calçada.
não tilinto moedas também não fico imune ao vê-la com seu pequeno filho.
acredito ainda que sem paredes o mundo cresce.
enquanto pequenos universos se cercam cada vez mais muros, cada vez menos luz.

24 de março de 2011

este lado para cima

como um cabo com mil cabinhos, o ulnar é um pacote de fibras nervosas que acompanha o quase principal osso do antebraço, a conectar cérebro e punho, passando pelo pescoço. pode ser apalpado na parte medial do cotovelo.
quando uma pressão prolongada sobre ou o encarceramento do nervo causam uma lesão, a palma da mão e os dedos pequenos ficam insensíveis. para manter o ulnar vivo e bem, é preciso alongar braços almofadar cantos. handle with care. e mergulhar no mundo num abraço.

21 de março de 2011

na dúvida

quando a vi subir a calçada que eu descia, não soube se seguia, ou atravessava a ver vitrines ocupada em distração.
não que fosse má pessoa, mas tão desagradável. e se alguma coisa atravancava sua vida, sem rodeios e sem constrangimentos se derramava no primeiro que cruzasse o seu caminho. no geral, a vida não ia bem, dificuldades próprias dos tempos. então.
me sentia solidária com ela e seus sofrimentos mas se nunca de nunca se interessava por ninguém. hoje eu precisava que alguém quisesse saber de mim.
enquanto pensava, perdi o semáforo perdi o passo me desequilibrei e segui a olhar firme pra frente já aflita por saber que quando eu perguntasse se tudo bem - e o dia estava em inícios - sem sair do lugar, veria o dia se esvair em misérias e logo hora de almoço.
ela se aproximou. ela me viu. olhei bem nos olhos e: oi, tudo bem? e ela: não, não está tudo bem, mas não quero falar agora. e me largou, boba, perdida de fôlegos e pés, como quem sobe.

17 de março de 2011

onde o tempo faz uma curva

desempilhar as palavras
osso a osso asa a asa
depois evaporá-las como à água
e esperar que me condensem
e esperar que se condensem
- quando você me diz qualquer -
uma e uma fio e filete
a juntar-se poça
até que a pálpebra se fecha,
e lagrima
o sal na minha boca

9 de março de 2011

o vento no contrário

um dia vi um golfinho empalhado.
a explicação logo abaixo dizia ser possível reconhecer cada indivíduo pelas cicatrizes. cada golfinho é o conjunto do que viveu e se deixou marcar.
ela me diz seja dona dos seus passos, pegue as coisas com força porque a mão é sua. não se largue. esse corpo - ela me lembra - não é um outro, não é seu, posto que um corpo não se carrega. sou esse corpo. o que nós somos - nós - vai. a vida, como o equilíbrio, é o ir.

3 de março de 2011

na direção da estrela da manhã

deixou sobre a pia do banheiro o óculos-nariz-bigode. ele não viria. queria revê-lo, sem ser revista. a cada vez fazia de conta que ia e não ia. também ele fazia que ia e não ia e no entanto, tanto quanto ela, também estava lá. ali estavam, achando-se ocultos em pensamentos e jornais, lado a deslado um nunca nunca nunca desvencilhar.

(para sô)

2 de março de 2011

equidistante

os dois tinham irmãos gêmeos, os dois eram casados, os dois tinham filhos. os dois não se conheciam e amavam a mesma mulher. os dois só a viram na vida por uma vez. aquela.
no começo de tudo, ela disse para a mãe vou viajar e se mudou para o outro lado da mesma cidade. para por dois meses viver outra vida. como se fosse.
foi quando os conheceu.
um veio visitar um velho tio que precisava de socorro. a casa onde ela quase clandestina era vizinha do tio.
o outro, de passagem, pediu alguma informação.
e antes mesmo que fosse preciso que alguém se decidisse, ela voltou para casa como quem volta das férias.
por vários anos, um lhe enviava mensagens delicadas e amorosas de natal e aniversário. ela respondia sempre, mas sempre em dúvida, sempre reticente.
para o outro, ela é que mandava as mensagens ocasionais. ao que ele respondia sempre. sempre muito contido.
quando o tempo passou e as lembranças ficaram antigas, ela foi à casa do tio do um. da memória do velho, trouxe o como fazer para encontrar o homem que procurava.
ela foi até ele. na agência da pequena cidade, ela o viu por trás da mesa de gerente. quando os olhos cruzaram, ele não a reconheceu. ela nem se aproximou.
foi ao encontro do outro, de quem só sabia o nome e a cidade. quando chegou, mandou uma mensagem fora de ocasião dizendo estou aqui. e o endereço do lugar.
na mesma noite ele veio e viu que ela era tão intensa quanto seu irmão havia contado. mas nada disse.
passados os tempos, quando soube o quanto a amava, contou-lhe os fatos. ela não era uma mulher tola, por isso chorou. e também por não ser tola, se permitiu. e ficou.

1 de março de 2011

dizei uma só palavra

no filme, o homem dizia: não vão me fazer sentir vergonha por sobreviver. numa outra história, outro homem dizia: sobreviver é aleatório. não há por que admirar quem vive ou considerar um perdedor aquele que morre. dignidade é o como se lida com o sorteio, com a vida, com a morte. uma antiga oração diz: não sou digna mas uma palavra e sou.