19 de junho de 2012

ötzi


nos alto dos alpes, nas montanhas de neve entre a áustria e a itália, um homem de quase quarenta e cinco anos, olhos castanhos, cabelos compridos, de mais ou menos 50 quilos e 1,60 de altura, foi flechado pelas costas, caiu de cara no chão, morto.
antes de morrer, tinha comido cereais, folhas, carne. em seu estômago também havia pólen e sementes. vestia roupas de couro de cabra, tinha um gorro de pele de urso. seu machado, sua faca de pedra, sua agulha de costuras, fios feitos de tendões de bichos, sua mochila ficaram caídos por ali, largados à sua volta. ninguém levou sua machadinha.
a neve cobriu o corpo.
enquanto a neve o guardava, pirâmides foram erguidas e impérios. a areia velou a vida de civilizações inteiras. vieram o ferro as embarcações as guerras os aviões o silício e seu vale. vieram os gregos e se foram depois os romanos que por sua vez. civilizações maias incas astecas. espanhóis a dar a volta ao mundo. houve hunos e mongóis. houve alexandres e henriques. napoleões, hitleres. e tantos e inúmeros pequenos e grandes déspotas como cada um de nós nascemos e morremos. houve gutemberg a inquisição as certezas. o tempo. a pisada na lua. a terra azul e redonda. o sonho de viajar no tempo. o tempo. a cobrir o corpo do homem. morto por uma flecha disparada a 30 metros de distância no silêncio da neve. nas montanhas.
ninguém soube me dizer se ele tinha um cachorro.
ele bem que poderia ter deixado um bilhete.

12 de junho de 2012

e não me movo




durante muito tempo, do outro lado do vidro, observamos o dragão de komodo. seus olhos tristes, como se dentro houvesse um homem que não consegue sair. os pés são mãos invertidas. a pele é casca de jaca. depois, como a imobilidade seguisse, fomos observar ninhos de flamingos.
construções altas de terra, quase cupinzeiros. ovos. as flamingas a chocar. filhotes de flamingo são feios. e cinzas e desengonçados. e também ficam muito tempo parados.
talvez o homem que habita o dragão saia nas madrugadas para brincar com os pequenos flamingos que alguma vez serão rosa e sonharão voltar para cuba.
no dia seguinte eu tinha lágrimas por todos os lados. quando o mapa me levou para uma cidade equivocada e distante. quando no ombro da menina a tatuagem de uma criança nascida e já morrida. quando no vagão o violino e as danças húngaras.  
na madrugada, meu filho me acordou chorando: tenho medo, eram muitos dragões.


8 de junho de 2012

khamsin

naquela noite, uma palavra me pegou pela mão como o vento que faz naufragar cidades inteiras na areia. mesmo que eu conseguisse contar tudo o que vejo e conseguisse prender os sentimentos ao texto como se prende um brinco nas orelhas, como se põe um anel no dedo, como a música no metrô se prende na pele da gente, a não ser que você também o tivesse experimentado não saberia o que é este estar como que pisando ilhas no ar. nada de águas. nada de terra além do minúsculo chão que piso agora.
agora.
agora.
outro agora.
depois, nada.
outra vez chão.
e nada.
ou o vento. pisar o vento.

4 de junho de 2012

vinho

somniar ser vi.
sentir-se raïm madur.

i veure atansar-se el veremador,
per fi.


(soñar ser vino.
sentirse uva madura.

 
y ver acercarse el vendimiador,
por fin.)


manuel forcano - llei d´estrangeria
original em catalão  

1 de junho de 2012

palau de la musica




imergir num labirinto fulgurante de palavras era aquela noite ao ouvir a sonoridade das línguas mais estranhas do mundo sob a luz dos vitrais dos cristais das pequenas lanternas azuis e depois pelas ruas estreitas e escuras meia noite na velha cidade seguir quase sozinha na direção das largas avenidas de um mar que eu não sabia onde embora fosse sal, sim, a maresia que se condensava nos meus olhos em busca de saída tateando as letras desconhecidas e as calçadas.