12 de maio de 2018

guerra, guerras

para chegar em alguns lugares que se quer chegar, nem sempre os caminhos são amáveis. por exemplo, me ocupo da segunda guerra mundial. e as mulheres violentadas de tantas formas pelas tropas, por todas as tropas. me pergunto o que havia no cotidiano daquele país, daquela população que apostou numa ditadura racista, assassina, absurda, e que havia perdido. e porque sabia que havia participado, ainda que indiretamente do horror, se calava.
entre as tantas leituras, chego em sebald, sobre a história natural da destruição.
“Com a data de 20 de agosto de 1943, na passagem anteriormente citada, Friedrich Reck informa de uns quarenta ou cinquenta fugitivos que tentaram assaltar um trem em uma estação da Alta Baviera. Na tentativa, uma mala de papelão “caiu numa plataforma, se arrebentou e todo o seu contéudo virou. Brinquedos, um estojo de manicure, roupa interior chamuscada. Finalmente, o cadáver de um menino assado e mumificado, que aquela mulher meio louca levava consigo como resto de um passado que poucos dias antes estava intacto.” “
ou
“(...) só com os lança-chamas podiam abrir caminho até os cadáveres que jaziam nos abrigos antiaéreos, tão densas eram as nuvens de moscas que zumbiam ao seu redor, e as escadarias e o chão dos porões estavam cobertos por vermes resvaladiços, mais grossos que um dedo. “Ratazanas e moscas dominavam a cidade. Insolentes e gordas, as ratazanas corriam pelas ruas. Mas mais repugnantes eram as moscas. Grandes, de reflexos esverdeados, como nunca se tinha visto. Davam voltas como caroços pelo asfalto, pousavam nos restos de parede copulando umas sobre outras e se aqueciam, cansadas e fartas, nos vidros quebrados das janelas. Quando já não podiam voar, arrastavam atrás de nós através das mais mínimas fendas, sujavam tudo, e seus sussurros e zumbidos eram a primeira coisa que ouvíamos ao despertar.”
no brasil, agora temos documentos que nos explicam que os generais da ditadura estavam informados e decidiam, caso a caso, quem viveria e quem morreria. nome por nome. por que a gente faz isso? por que a gente acha que a supressão do outro, sua morte, é que nos salva a vida?

3 de maio de 2018

tucum

em setembro de 1989, no pará e numa situação muito especial, ganhei um anel de tucum. nestes anos todos, até anteontem, este anel esteve no meu dedo. sempre. sempre. sempre me lembrando o que não me esqueço, a tal opção preferencial. nestes anos todos o anel aproximou e afastou gente, como um farol (quem vive ao lado já nem nota, mas é importante para quem navega na escuridão). há dois dias o anel quebrou em quatro. o preto noite do tucum era só um anel. eu sei. dois dias que vou e volto numa viagem no tempo. a água sob a ponte. a ponte. o rio. tudo o que fomos. o pouco que fiz. depois, na mesma noite, talvez, sonhei que cuidava de alguém que não conseguia andar. eu acolhia, abraçava, acalentava. o pão e os abraços.

ao sol


dia desses, sentada ao sol na praça do rei, me dei conta que fazia figuração pras fotos dos turistas. eu e umas tantas pessoas, nosso intervalo  de um dia qualquer e ninguém se pergunta  quem somos por que esperamos por que um de nós chora num canto quem é este mendigo. os turistas chegam, sobrevoam, riscam de sua lista “praça do rei”.  há grupos de turistas instalados em alguns pontos da cidade. olhando com atenção é possível notar que os grupos parecem permanecer, mas a cada vez são outros. os turistas, todos tão iguais. eles vão, a gente fica, sentado nas escadarias da praça do rei num intervado de um dia qualquer. fazendo figuração. entre eles, há adolescentes de pernas desproporcionais, movendo-se, como bandos de pombas quando se joga umas migalhas de pão. o gótico. o tempo. penso na morte. nesse exato momento ao sol sei que figurantes, adolescentes e turistas evitam pensar na morte. porque sempre evitamos o pensamento morte entre um cigarro e outro uma foto e outra um dia e o seguinte mesmo que os sonhos a cada noite se tornem pesadelos e horror. neste, e em todos os momentos, queremos ser sempre eternos. sorrisos congelados. fumaça de cigarros. na praça do rei. ao sol. 

no centro de são paulo um prédio desaba. eram cento e cinquenta famílias. quarenta e nove mortos e há quem condene os que não voltaram para salvar seus bichos.