22 de janeiro de 2016

azul cobalto



depois de homero e ulisses
quem aceitaria um cavalo
ainda que perfeitos dentes?

o desejo me galopa
flor minúscula e vento.

os mundos não são planetas
os planetas não são pérolas
alinhavadas por dentro.

entre um humano e outro estão dadas todas as sementes
e nunca nunca nunca houve um,
um que fosse,
que tenha vencido a guerra.

21 de janeiro de 2016

blaus marins

as grandes embarcações naufragam como se bailassem. submergem lentamente nos azuis. entre algas, plânctons, peixes. até chegar no fundo escuro e silencioso. submarino. e com o tempo se encher de cracas e corais. antonia font. como se naufragássemos delicadamente.

19 de janeiro de 2016

supernova II

anos-luz não é uma medida de tempo. o tempo pode ser uma medida de distância. de tarde, a manhã poderá parecer distante. nem por isso menos triste. dizem que hoje é a segunda-feira mais triste do ano*. como dizem que são tristes as histórias de amor que se acabam enquanto o amor permanece. nenhuma medida pode mudar isso. a tristeza. a segunda-feira. a distância. o tempo. que tudo permaneça. que tudo se repita. que o amor mergulhe anos-luz numa tristeza de segunda, até emergir escuridão. os olhos de van gogh eram capazes de ver azuis onde a gente nem: azul da prússia azul cobalto ultramarinho. e de ver estrelas. a milhares de anos-luz.

16 de janeiro de 2016

supernova

alguém viu uma violenta explosão estelar. 570 bilhões de sóis ou brilho de 20 galáxias. um segredo bem guardado até que se confirmasse a distância: 3,8 bilhões de anos-luz. dizem que a natureza da sua energia ainda é um mistério. também a natureza do tempo, para mim, é um mistério. e a força deste brilho. e a capacidade de guardar segredo. e de inventar um nome: ASASSN-15lh. da minha janela vejo as árvores sem folhas: também me surpreende saber que o que está tão seco renascerá.

13 de janeiro de 2016

jogo de reflexos



quando se perde uma parte do corpo – dizem  perna braço dedo pé, um órgão interno qualquer que ninguém vê – pode-se por muito tempo seguir sentindo a existência do que se perdeu – dor comichão ardor – sem que nada se possa fazer. a inutilidade de qualquer gesto porque afinal aquele lugar que teria gerado a sensação já não existe. foram desenvolvidas algumas técnicas – dizem – para reduzir estes incômodos e permitir às pessoas mutiladas lidar de alguma maneira com a parte que lhes falta, com o que foi perdido. por exemplo – leio – que para o caso de mão que já não se tem, criou-se uma caixa com um espelho no meio. ao colocar na caixa de um lado do espelho a mão existente e do outro lado da caixa colocar a ausência de mão, ou apoiar o braço que já não tem mão, permite-se ao cérebro dialogar de alguma maneira com a mão perdida, na medida em que a mão existente pode obedecer o cérebro e os olhos registram a partir do reflexo no espelho o movimento como sendo também da mão ausente. por dedução, imagino que seja possível para pés e outras partes do corpo que tenham um equivalente minimamente simétrico, como é o caso do exemplo original, as mãos. talvez no caso da perda de um dos olhos penso  ao me lembrar de s. – também fosse possível a partir de um espelho apoiado no nariz que permitira refletir um rosto inteiro num outro espelho, jogo de imagens que nos desse a noção do todo embora fosse só uma visão parcial, embora toda visão seja sempre parcial.  (ou penso que toda visão é parcial porque sou incapaz de ver um todo.) pode ser. também há os que preferem enfrentar as perdas sem artifícios. esperar que a coceira do dedo passe que a dor da perna se vá aguentar firme que a carícia na nuca suavize. deixar o coração inexistente bater e bater e bater. acreditando que tudo voltará à quietude. aliás, para o caso do coração, como é único,  não tenho clareza de como seria a técnica do espelho. também para o caso de pessoas inteiras, únicas e perdidas, também não sei: vou refletir.