15 de janeiro de 2015

desejos de dezembro

aprender uma língua quase morta
contornar um câncer com sabedoria
controlar os medos sem pressa
cortar os vestidos muito longos
desviar dos pedágios
guardar anéis
livrar-se do excesso de livros
ser portátil

depois
levar os bois
levar os porcos
levar os gansos
a pastar
ensinar aos filhotes o caminho da casa
no inverno calcular metros cúbicos de madeira
entre os tijolos preparar a renda dos lençóis

meu pai relê o mundo em sua velhice
melhora-o
ameniza-o
o mundo áspero e os espinheiros que somos
uns para os outros
as valas que nos tornamos todos

minha mãe oculta-se do mundo
diz que mal se lembra

para os dois, o medo dos aviões do inimigo
e a planície
os bombardeios

as crianças sabem melhor os perigos
é uma questão de olfato
e sentem mais frio nos pés

os velhos não gostam dos ventos em amplos espaços
e atravancam suas casas internas
com coisas nas quais tropeçam a cada manhã
depois dizem
meu pé lateja
não sai água da torneira
na minha idade muitos já morreram

os tapetes não têm vísceras
os quadros são nuvens cinzas
onde piso é o onde vivo
se existo sou um abraço,
sem abraço, um naufrágio.