23 de outubro de 2012

palavra sem lugar

sobre os Guaranis Caiovás Ñe'ẽ – a palavra alma, da antropóloga Graciela Chamorro:
 
A palavra é a unidade mais densa que explica como se trama a vida para os povos chamados guarani e como eles imaginam o transcendente. As experiências da vida são experiências de palavra. Deus é palavra. (...) O nascimento, como o momento em que a palavra se senta ou provê para si um lugar no corpo da criança. A palavra circula pelo esqueleto humano. Ela é justamente o que nos mantém em pé, que nos humaniza. (...) Na cerimônia de nominação, o xamã revelará o nome da criança, marcando com isso a recepção oficial da nova palavra na comunidade. (...) As crises da vida – doenças, tristezas, inimizades etc. – são explicadas como um afastamento da pessoa de sua palavra divinizadora. Por isso, os rezadores e as rezadoras se esforçam para ‘trazer de volta’, ‘voltar a sentar’ a palavra na pessoa, devolvendo-lhe a saúde.(...) Quando a palavra não tem mais lugar ou assento, a pessoa morre e torna-se um devir, um não-ser, uma palavra-que-não-é-mais. (...) Ñe'ẽ e ayvu podem ser traduzidos tanto como ‘palavra’ como por ‘alma’, com o mesmo significado de ‘minha palavra sou eu’ ou ‘minha alma sou eu’. (...) Assim, alma e palavra podem adjetivar-se mutuamente, podendo-se falar em palavra-alma ou alma-palavra, sendo a alma não uma parte, mas a vida como um todo.

daqui

19 de outubro de 2012

vigilia

a mulher que por estes tempos dorme ao lado do caixa eletrônico passa os dias lendo.
as floriculturas continuam cheias de flores. estranhei. quando me aproximei vi que são flores artificiais.
agora chove. as árvores perdem as folhas, o mundo vai silenciando. como um fim de festa. se esquentar um pouco, será possível colher cogumelos.
para o dia de todos os santos, castanhas assadas, panellets e moscatel.

5 de outubro de 2012

outubros

nossos filhos nasceram em outubro. para mim outubro sempre foi primavera. mas o mundo é grande. onde um dia envelhece outro lugar amanhece. na grandeza do mundo também aprendo que é possível que as ruas sejam largas, que haja praças e todos se encontrem ao caminhar por elas. que não é preciso ter medo do medo do medo, sempre o medo. na minha cidade, aquela de onde venho e onde vivo, sei que tem sido difícil plantar uma horta, que nem todas as sementes brotaram como prometido, nem todas darão frutos enquanto ainda estivermos vivos. mesmo assim, confio no que se gesta no segredo da terra. é outono aqui, as folhas caem, mas vejam, aí, nesse momento: e tudo só está nascente.