28 de dezembro de 2023

já chega

na madrugada o baque de um corpo que cai. o ladrar de um cão. o corte do laser na pele delicada. uma chamada telefonica e nenhuma voz. os ossos frágeis movendo-se sob a musculatura antiga. um pássaro deposita um graveto no ninho em construção, equilíbrio quase aéreo. a máquina registra um último bip e se cala. enquanto um relógio parado aquece os dias. o som dos abraços, das folhas novas se abrindo na ponta do galho, das ondas que vão e vem, da brisa, sempre a brisa. a casa vazia e um jardim imóvel. os retratos e as cartas incendiadas. as gemas entre os dedos. o celular que toca anunciando a voz do irmão. não preciso dizer, né? eram dez da manhã e eu tomava um café e a chuva fina mal molhava a calçada. eram quatro da madrugada. eram paredes de chumbo. eram ipês amarelos. eram músicas. eram gestos. era gente que eu não via há tanto tempo. era tudo tudo e era nada. uma dor ali onde o fígado e os olhos marejados, os olhos todo tempo marejados de um mar cinza que antes era azul e agora silencia.

que venha logo a magia de se acabar um tempo e nascermos outros.