um dia, na biblioteca, vi um livro sobre conservas. fora dos trópicos, isso dos ciclos tão marcados entre verão e inverno, entre fartura e falta, faz a gente pensar mais sobre como guardar a alegria dos pepinos e tomates para os dias frios.
folheei o livro e parecia bom, cheio de receitas doces e salgadas.
levei p’ra casa. comecei a ler com atenção as receitas e já não parecia tão bom. continuei lendo, porque fotos e imagens coloridas e me deixei seduzir como criança com caixa de lápis de cor. até concluir que o livro era ruim, muito ruim. livro de receita bom te abre horizontes, dá ideias, amplia. um livro ruim nos ata aos ingredientes, nos restringe às fórmulas. era um livro ruim.
pensei: devolvo já na próxima ida à biblioteca.
mas, antes de botar o livro na pilha das devoluções, por curiosidade, talvez, não sei bem, dei uma olhadinha na introdução. e a introdução era maravilhosa. um texto fluido, bom de ler, uma reflexão sobre a decomposição dos seres vivos e as possibilidades de retardar esta decomposição.
naquelas três primeiras páginas a magia e a beleza das bactérias e fungos reduzindo tudo o que já foi vivo à sua mínima composição mineral. que imagem!
li os tantos parágrafos visualizando todo o processo de sair do mundo mineral, alimentar-se dele, incorporar tudo isso à nossa existência/essência para, em seguida, desatar o fio da vida e permitir ao corpo o voltar a ser pó, mineral, pedra. nossa existência: da pedra à pedra. do pó ao pó.