23 de maio de 2014

no trajeto do silêncio

para soraya


vi uma pessoa no metrô que me lembrava você.
entrou outra, que me lembrou meu pai.
a cada parada, o vagão se enchia de rostos, todos com aspecto familiar.
pessoas são trajetos? pessoas que se parecem são diferentes maneiras do mesmo caminho?

por um tempo fiz um mesmo trajeto de ida e vinda. todo dia todo dia todo.
até deixar de fazê-lo.
deixar de fazê-lo a ponto de me esquecer de sua existência.
um dia, muitos anos depois, eis o trajeto. e alguma coisa em mim se lembra.
vou fazendo as curvas, tomando as decisões de direção quase sem pensar. 
a memória que vem à tona pensa por mim.

neste não pensar, um rio de palavras silenciosas se permite.
nenhuma palavra diz nada.
sobre elas chove.
sobre elas não se desenrola o desentendimento do início dos tempos ou o verbo.

os longos trens de carga nas estações urbanas têm um silêncio próprio, uma espécie de solenidade, algum mistério nas pedras que carregam. em seus líquidos.
têm um silêncio que atravessa a nossa espera.
a espera dos trajetos que se não lembramos nos lembram.

o trajeto da marcha das mães dos desaparecidos. 
que choram.



Tradução de Joan Navarro para o catalão e o castelhano na serieAlfa, aqui.

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