11 de junho de 2010

sacada



o telefone toca. a vizinha corre para atender. daqui consigo ouvir. ela chora.
faz dez dias que a vizinha chora. sempre que o telefone toca, o choro só piora.
fecho janelas. fecho portas. tapo orelhas. nada. um choro baixinho, um choro alto, um choro de qualquer dia. a vizinha.
pedi aos da companhia telefônica que desligassem o telefone da vizinha. quando expliquei, concordaram. o telefone já não toca. ela chora.
fui até a casa da vizinha saber se posso ajudar. não consegue parar de chorar. e quando vi a casa, também chorei: uma poça se forma no meio da sala. a água vem do telefone ligado ou desligado. a vizinha tem medo da poça.
digo já vou. não, ela diz.
qualquer barulho revira a poça e dela brota o inacreditável. estou presa a seus olhos. enrola-se na vizinha. submergem. não consigo sair. e choro.


.

2 comentários:

Alvaro Vianna disse...

Expressionismo fantástico. E choroso.

Cíntia Dal Bello disse...

Maravilhoso texto! Me faz pensar na solidão em que os artefatos tecnológicos de comunicação nos coloca: a vizinha chora, está tão perto, mas prefiro resolver por telefone - este mesmo telefone que, quando toca, ou não toca, faz com que a vizinha chore... Fantástico!