acho que só vou conseguir compreender quando a humanidade toda for um pouco sábia, eu sei, quando a gente se tornar um tanto existentes. este mistério, é um mistério tão duro, tão duro. tão profundo. não sei dizer. ela disse.
talvez ela seja uma rainha, atravessando desertos. nada de água. nada de ar. nada de dromedários. nada. nem um oásis ela se permite. a areia está em seus olhos. e também na sua boca e na impossibilidade de mover os pés. não adianta ser rainha. ou mandar cortar cabeças. porque o que não se diz está dito. o que não se grita, dói. ponha o avental, prepare-se. é preciso farinha, fermento, sal. e silencie. não há realeza que o faça voltar.
quando nada está acontecendo, ela está olhando. às vezes eu paro para ver o que ela vê. é bonito. há alguma ancestralidade em comum. de vez em quando nossos olhares se cruzam para, logo em seguida, seguirem suas próprias viagens. veja, é difícil não gostar. e um dia ainda vamos nos conhecer. eu sei.
meu pai tinha uma belina azul piscina. eu tinha seis anos e um vestido de florzinhas com um laço. o duto tinha uma calça boca de sino cor de rosa. minha tia tinha cabelos pretos e longos, divididos em duas tranças. com as meninas na rua a gente brincava de amarelinha, de fita e de mamãe me dá polenta. era bom. ontem, quando entrei no carro na hora do meio dia, gostei tanto do calor, quentinho e quietinho, que fiquei ali, pensando em coisas desse tipo. uma sucessão de pequenas bobagens, tão amarelas quanto os ipês, que voltaram.
se os diários fossem romances, seriam romances mal escritos. repare, os personagens surgem do nada, permanecem enquanto necessários para o desenrolar da trama, não sabemos ao certo de onde vieram e, quando repentinamente se vão, também não sabemos para onde. inclusive o protagonista. e mesmo assim nos prendem até o fim. que fim?
nessas linhas desse seu texto eu me vi. é que são como nuvens: neles vemos o que queremos. mas não é coisa que se diga em público por isso esse particular. se me perguntassem eu também não saberia quais três letras. e no dentro de mim, te garanto, eu me perderia muito mais.
você a ama, ainda? apesar da pergunta chegar tão de chofre, seus dedos logo se aprumaram para digitar as três letras da resposta. antes, pensou por que alguém, que não ela mesma, estaria interessado nisso? e quem lhe perguntava não parecia estar a serviço. de ninguém. respirou. não respondeu de imediato. escreveu: talvez você não saiba ao certo o que se passou. talvez. foi o que chegou em sua tela. talvez? ele pensou. e foi aí que se perdeu.
saúvas devoram meu quintal. não gosto delas. dizem que têm lá o seu papel no ciclo da vida, mas eu não gosto. elas são cabeçudas e bundudas (existencial e fisicamente). são muitas, milhões. devoram o que é importante para mim. uma, duas, três, incontáveis vezes devoram o mesmo pé de coisa. o que me sustenta é que nada, até hoje nada, que tivesse raízes profundas deixou de renascer.
algumas pessoas dizem é mesmo, tudo tem dois lados. hoje eu digo que só há dois lados. ou você está de um lado ou está do outro lado. gosto ou não gosto. estou vivo ou não estou vivo. estou aqui ou não estou aqui. o outro lado de algumas coisas são infinitas coisas. como não estar aqui. pode-se estar aí, lá, acolá ou no etcétera do mundo. o outro lado de algumas questões, por sua vez, pode ser muito complexo uma vez que cada aflição pode se desmembrar em mil pequenas aflições e cada uma delas com dois lados e as infinitas pequenas opções de lado são ponderáveis geométrica, aritmética, escalafobeticamente constituindo um quadro ou vários quadros de um lado e do outro lado. também há situações-limite, quando duas coisas distintas têm seus outros lados similares, podendo ser confundidas como os dois lados da mesma coisa. mas, veja bem, repare, o outro lado de amar não é odiar.