29 de junho de 2011

parece mágica


os pés atrás ele disse eu tive as mãos atadas?
talvez talvez na lua vazia o dia se preencha de pequenos nadas e tudo no nada avança.
o nada da seiva que move a lua nos corpos que não sangram. o ritmo do ciclo do silêncio e suas intermitências no sabor do nada a esgarçar veias.
um tango ele disse é lindo.

(inspirado em texto de remo pellegrini)

28 de junho de 2011

iminências


coincidência, noemi jaffe
sempre me perguntam como é possível saber quando um livro é bom. respondo que boa é a literatura que consegue criar uma coincidência única entre o que se diz e a forma como se diz o que está sendo dito. mas também, acho que boa é a literatura que contém algum tipo de risco. algo está sendo posto em cheque: a linguagem, o leitor, a existência, o que já se conhece. alguma coisa vai se perder - iminência de vazio ou de morte - e/ou alguma coisa vai se criar - iminência de nascimento. a literatura que não mora na iminência não tem me interessado muito mais.

valer la pena, juan yanes
En el borde, en el límite, en la frontera, en el riesgo, en la inseguridad, en la incertidumbre, en donde empiezan las cosas que no han sido dichas, los fenómenos que no tienen nombre, las formas que no han sido definidas, los objetos que todavía nadie ha nombrado. Sólo vale la pena vivir donde empieza el vértigo.

27 de junho de 2011

nos quintais

equilibra a juba e ajeita os passos nas tábuas sobre o abismo entre os sons e o dia de janelas abertas. nem sempre rugidos ou sangues. às vezes café pão manteiga e um filhote de gato se espreguiça manhã.

22 de junho de 2011

azul e seco

moro entre dois pontos:
mal cabem minhas digitais.
o inverno por aqui é florido e ninguém estranha.
as saúvas deixam as carambolas à mostra
nem assim os vizinhos vêm colher.

alguns carregam o mundo em si
de outros o mundo mesmo se encarrega.

21 de junho de 2011

sem foto

meu espectro viaja o mundo se permaneço
onde turistas de qualquer lugar
em máquinas de retratos fotografam meus pedaços.
tunísia índia paquistão
china hungria eslovenia
polônia itália russia japão
peru colombia argentina
alemanha inglaterra frança turquia
brasil
silêncio, silêncio, por favor.

20 de junho de 2011

si us plau


o por dentro era o avesso de todos os castelos de areia onde em fendas vazadas pequenos pedaços coloridos de vidros que para iemanjá se quebraram na praia.

17 de junho de 2011

as terras que piso


mergulho nos campos vermelhos do país que me habita.
não são flores?
algumas revoam como borboletas.

"e nesse momento ela sentiu o silêncio à sua volta toda. nos ombros, nas árvores, nas montanhas, no ar. aquele silêncio grave, branco, profundo, como uma grande bolha invísível, que se derrama redonda e pesada sobre o mundo, e o mundo imóvel, sem mesmo respirar".

(a bruxa de funtinelli, albert wass)

15 de junho de 2011

a mão direita do rei repousa


o que sou atravessa oceanos.
no escuro, nas profundezas, os peixes imitam planícies.
entre o túnel e a ponte os leões espreitam.
flores. o grande rio. o penhasco.
eu me insisto rastros e me encontro transitiva.
se a lagarta me perguntasse, não saberia dizer quem sou.
preciso me relembrar que nunca, nunca há para onde voltar.

14 de junho de 2011

magyar

perdi a noção da língua. tenho poucos pés e muitos lugares por pisar. a terra corre, vira. a paisagem me revira. espelha-me.
um lugar é um lugar. o lugar onde sou é o onde estou. se corro, se deito, se vôo: sempre eu desde o aqui na imensidão.
perder a noção da língua é mais abismo que perder o chão. e os muitos que foram expulsos de sua língua e mantiveram sua escrita, mantiveram a capacidade de escrever na língua que era sua e os excluía?
esses, todo dia habitam ilhas de línguas distando dias e mundos da língua mãe.
nessa língua ilha sonha-se, também, cria-se, ao tempo que tudo permanece isolado um vínculo perdido. a língua nascida ponte que não se constrói: volta-se para quem a mantém viva e mergulha e lentamente murmura a inuberância de si.
a língua cortada no fio do pensamento. a língua sem meada.
eu e o continente língua que crio escuridão.