11 de outubro de 2013

carpas na laje

eu tinha dezessete . ele tinha uma brasilia. eu tinha pressa de tudo e ele me pediu um cigarro. que eu não tinha. nem fogo. ele tinha mãos de dedos longos. eu tinha cabelos desgrenhados. nenhum tema em comum. e então veio o pretexto. me lembro de ligar do orelhão da porta da faculdade pra saber se podia encontrar. e eu fui. encontrei. era uma tarde de sol, era uma conversa na laje, era uma vida já tão doída, tão sozinha. as nossas. um beijo não dado na laje na tarde de sol, eu lembro. os muros brancos no em volta, os vasos. a pele, os cabelos, o medo.
sete anos é muito pouco quando se tem quase cinquenta. sete anos é uma eternidade quando se tem dezessete. foram sete anos de eternidade. toda eternidade dentro de mim, no desejo que não se materializava desejo, o abraço que não se permitia ir até o fim abraço. o branco no branco, o espelho. os compassos de espera. era sempre um compasso de espera. ele vinha, ele ia. eu ia. eu voltava. eu nunca mais ouvia falar.
cada conquista minha tinha uma pequena dedicatória a esse homem.
cada conquista minha tem uma pequena dedicatória a esse homem.
cada conquista minha. minhas conquistas eu não tenho.
o que sou eu me esqueço.
as carpas nas águas nos pés do museu. a feira de antiguidades.
os leões no simba safari.
a luz do sol na janela do quarto num sábado à tarde.
o alto de um prédio onde uma antena pisca.
um beijo no meio de uma construção.
um orelhão na rodoviária e a notícia triste, infinita. tudo preso numa memória nebulosa de dor. numa memória nebulosa de desejo e cinzas
tudo tudo adormecido. 

e mais três vezes passou uma eternidade.

ele passou os braços pela minha cintura, num abraço antigo. ali eu era a mesma menina de tempos atrás. e só então eu soube que ele tinha muito, muito mais medo da vida do que eu.

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