vaga reflexão sobre a teoria de einstein e as tais ondas gravitacionais num feriado nublado e frio:
numa galáxia lá muito muito longe, dois buracos negros - numa espécie
de dança em que um ao outro orbitavam talvez lentamente reduzindo entre
si distâncias nessa meia velocidade da luz - fundiram-se. e foi energia
por todo lado, cinquenta vezes mais intensa que todo o universo visível,
formando ondas que viajaram e distorceram o tempo e o espaço por onde
passavam, enquanto o nosso mundo, pequeno e limitado mas para cada um
único mundo, pouco a pouco se formava e se deixava pensar por humanos
que, liberadas duas patas, ora se ameaçavam com armas ora se deixavam
maravilhar ao olhar a noite estrelada...
27 de maio de 2016
o que não é inferno
"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já
está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando
juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a
maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o
ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e
aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do
inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço" ítalo calvino,
cidades invisíveis
25 de maio de 2016
quebrar o vaso
um mestre procura um sucessor. diz: colocarei um problema diante de
vocês: quem o resolver. e apresenta um lindo vaso de delicada porcelana.
assustados os discípulos admiram o vaso: onde o problema? desde seu
silêncio, um se levanta e quebra o vaso em pedacinhos.
22 de maio de 2016
no porto
leio: as instruções para embarque eram claras. entregar uma foto
tresporquatro recente e um telefone de contato. para o caso. quando
malena lopez chegou já na rampa de acesso ao navio, sem foto, a moça
apontou pra cabine automática. dizem que ela foi pra fila esperar.
chegou sua vez. entrou. sentou. flash. saiu. quando pegou os papeis que
a máquina cuspiu pela fresta, viu que por cima da imagem de seu ombro
esquerdo a imagem de um homem desconhecido a olhava. malena, que não
sabia quem era freddy jackson, não entendeu que nossos mortos nos
circundam e cuidam. também não pensou que todo mar pudesse ser
naufrágio.
19 de maio de 2016
duas bagatelas
então viver é isso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vício,
só isso.
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vício,
só isso.
paulo henriques britto
liturgia da matéria
liturgia da matéria
7 de maio de 2016
raiz de deserto e fala
sei que num de seus poemas yehuda diz: nao se esqueça, deserto e fala
vêm da mesma raiz. em que livro? não sei. vou à biblioteca procurar
entre os livros que li. enquanto procuro sem encontrar ouço o grito de
um cego, seu olho de vidro virado para o céu. meu olhar interroga o
homem que trabalha na biblioteca. em silêncio ele me faz saber que é
pelo perfume que o cego busca livros de poesia. pelo perfume da paisagem
do poema. ou o perfume de quem o leu pela última vez. é o cheiro dos
desertos ou dos oásis que moverá a voz, que desfraldará as paisagens das
páginas. é assim que o cego lê. que a biblioteca da sua escuridão quase
fica infinita.
alhos
quando a gente abre uma cabeça de alho, vai usando os dentes maiores e
os pequenos vão restando. um dia, na pressa, a gente se dá conta que
acabou o alho (ai, justo agora?) e então buscando entre a palha, lá no
fundo do pote, encontra aqueles dentinhos. é uma alegria pequenininha e
grande ao mesmo tempo. a vida é bem assim, né?
1 de maio de 2016
e danço
leio: dançar é perder o eixo. dançar é reencontrá-lo. o eixo. tudo o que
esta mulher escreve me faz perder e encontrar eixos. uma dança. às
vezes penso que ela escreve as mortes de que não fui capaz, as
despedidas definitivas, o gatilho quando a mão suspende. outras vezes,
sua escritura é a mão dada à minha e eu não me perco. até que no escuro
mais escuro, quando nenhuma diferença entre abrir ou fechar olhos, neste
quando ela solta a mão, a minha mão, e, de longe, posso ouvir sua voz.
que diz: dance, delicadamente, agora, dance.
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