20 de setembro de 2018

gabriel: um poema

há duas elegias que carrego comigo há tempos. a do drummond (Ganhei (perdi) meu dia. E baixa a coisa fria também chamada noite, e o frio ao frio em bruma se entrelaça, num suspiro. E me pergunto e me respiro na fuga deste dia que era mil para mim que esperava os grandes sóis violentos, me sentia tão rico deste dia e lá se foi secreto, ao serro frio.) e a do rilke (Quem, de toda a legião dos anjos, se eu gritasse me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse inesperadamente em seu coração Aniquilar-me-ia sua existencia demasiado forte. Pois, que é o belo senão o grau do terrível que somos capazes de suportar Porque impassível desdenha destruir-nos? Todo anjo é terrível.)
este ano, Aníbal me apresentou gabriel, do edward hirsch. e há meses, trago comigo esse longo poema que é, dentre muitas outras coisas, a elaboração do luto pela perda de um filho. traduzo (toscamente) um dos poemas. recomendo (vivamente) que leiam o livro, agora também traduzido para o espanhol, numa edição kriller.


o poema do hirsch:

Eu não sabia que o trabalho do luto
É como carregar um saco de cimento
Morro acima na noite

Nâo se vê o cimo
Porque não há cimo
Pobre aflição de Sísifo

Eu não sabia que seria uma luta
Entre arbustos rasteiros
Sem caminho para cima

Porque não há caminho
Só uma rocha abrupta
Com um rio onde cair

E o tempo com seus aposentos medievais
O tempo com suas arestas irregulares
E instrumentos contundentes

Eu não sabia que o trabalho do luto
É uma lida na escuridão
Que carregamos por dentro

Ainda que às vezes quando durmo
Estou de novo com ele
E logo desperto

Pobre pena de Sísifo
Não estou preparado para este pesadelo
Cimentado em meu corpo

Observe atentamente e você verá
Quase todos carregando sacos
De cimento em seus ombros

Por isso é preciso valentia
Para se levantar da cama a cada manhã
E escalar o dia

Nenhum comentário: