21 de julho de 2012

têmpera



a mulher viu as peras na árvore e se disse pereira.
viu o tronco áspero e nele plantou dois meninos. que fotografou.
depois desvelou um lobo numa praia, uma barriga de baleia na beira de um barco, umas flores de monet em seu jardim.
saiu de madrugada levando consigo o que tinha trazido.
uma chave esquecida no vento de galápagos.
e um pouco mais.

trrriiiimmm!

(foto: sandra pereira)

13 de julho de 2012

tudo isso antes...

eu disse "a" e o mundo me entregou alfabetos em todas as línguas entregou mensagens em forma de enigmas e uns hieróglifos rascunhados numa tampa de refrigerante. fiquei quieta um tempo, a reorganizar palavras. num silêncio um mundo se compreende.

"els anys no paseu debades, ni les pluges, ni els silencis" (miquel marti i pol)

11 de julho de 2012

nó na madeira

"Mas até hoje escrever me dá muito trabalho. É como se alguém me pedisse pra fazer uma cadeira, objeto simples, diário, necessário. Mas eu não sou carpinteiro."

(mari somdipincel, daqui)

10 de julho de 2012

disposição da palavra

"E o que não faz sentido é nossa incapacidade de perceber e acompanhar o sentido de uma frase longa e bem lastrada. Isso compele. E nos leva adiante. E talvez seja uma maneira de lembrar - numa feição análoga, aliás, aos planos-sequências de Bela Tarr - que a frase curta é apenas um dos veículos da elegância e da concisão. E que essa mesma concisão e essa idêntica elegância podem ser atingidas por frases que parecem não ter fim. Quer dizer, não é o tamanho da frase o que determina a concisão e a elegância. Mas o ritmo dela. Seu modo de dispor-se. Sua disposição."

(Ruy Vasconcelos daqui)

9 de julho de 2012

habla que baila


"La fuente de la poesia es el habla, la misma de la prosa. El habla es temporal y sucesiva: cada frase se desarrolla en el tiempo y en cada frase las palabras van una detrás de otra. Por ser tiempo, el habla es rítmica o, más bien, tiende espontaneamente a ser ritmo. De ahí que las fronteras entre la prosa y el metro sean cambiantes, imprecisas: el ritmo que las dibuja, a veces también las borra. Si el verso en ocasiones se desmorona y regresa a la prosa, en otras la prosa se levanta y baila como si fuera verso". 

(octavio paz)

6 de julho de 2012

pouco a pouco


enquanto virava as páginas eu dizia são as cebolas. as lágrimas molhavam a ponta do meu pé sem meias. se meu cabelo nascer sem cachinhos eu compro bobes eu faço papelote eu uso uma peruca de fios longos lisos e vermelhos. e o seu riso eu dizia. preparei  as crianças para esta corrida contra o tempo reuni as amigas dividi o fardo e o peso. eu digo: você. e são tantas. somos tantas nenhuma a querer carregar bandeira todas a sonhar o arado o plantar lado a lado. amassar o pão assar. e no entanto. a página não se vira sozinha eu diria. enxugo a lágrima. 
o fio da faca no coração da cebola.

5 de julho de 2012

etc

abri a caixa e era escuro dentro.
quando ele chegou eu disse veio uma caixa e está vazia.
ele perguntou se era leve eu disse nem pesada. e mostrei a caixa até um fundo vazio e já nem escuro era o que vazia dentro.
ele disse não está vazia. veja.
olhei de novo e vi que no fundo da caixa brotava um túnel de terra e no fim do túnel uma paisagem de mar. aos meus pés, um precipício.
quis dar um nome para aquilo aquele abismo.
palavra não nomina abismo.
a palavra é.

4 de julho de 2012

orides ao avesso



o poema mais ou menos diz quando se sentir cansado e entediado, imagine-se estrangeiro. a não reconhecer a língua, a estranhar a comida e também as roupas, os jeitos de andar, as placas de rua.
nesse momento estou o contrário do poema. evito os tecidos para focar peles e braços onde somos tão iguais nas palavras procuro sons que reconheço nas placas decifro sinais. faço em roma como os romenos sem abrir a boca. disfarço a alegria ao ver um bando de andorinhas.