21 de dezembro de 2015

matéria escura

enquanto me alegro que os dias passarão a ser mais longos, leio que 80% da massa do universo é matéria escura. e esta matéria, como diz o nome, é escura, ou seja, invisível, ou melhor, desconhecida: não sabemos do que é feita. como ela não interage com a luz, não conseguimos enxergá-la e só sabemos que existe por sua ação gravitacional sobre as galáxias, evitando que se estilhacem. sem essa matéria escura que equivale a cinco vezes a massa de toda a massa reunida de todas as galáxias do universo observável (100 bilhões), o universo não seria como é e talvez nem existiríamos. para existirmos, somos escuridão.

17 de dezembro de 2015

tiririca

pra muita coisa na vida é preciso o mesmo que pra uma horchata: uma certa medida e muita, muita paciência. ou 250 gramas de chufas para cada litro de água. lavar. deixar de molho. esperar. triturar. espremer. esperar. e reconsiderar o porque de chamar algumas plantas de "daninhas".

16 de dezembro de 2015

olhos de cão

leio: falha a primeira tentativa de provar que o universo é um holograma. deduzo que esta é uma hipótese. deixá-lo ir. o tempo. é outra hipótese. talvez falhe também a tentativa de provar que seja possível deixá-lo ir. seria preciso definir quem fica quem vai dentro do tempo, o tempo. essa mulher tem olhos de cão. um tipo de cão que envelhece sempre fiel sempre sem compreender as artimanhas do tempo sobre os movimentos do que é o humano e o profundamente triste em nós.

10 de dezembro de 2015

é a minha pele e ela não é de metal



é a minha pele e ela não é de metal. não é de metal.*

senhora de ventos e tempestades, leve-me
é possível  desenrolar um novelo e descobrir o inexistente fio?
isso é a guerra

o mundo desabando e a mulher faz pequenas escolhas ao longo do dia
na hora do silêncio não sabe se limpa as orelhas do mais novo
se cuida de suas próprias feridas
se dorme, com fome e aflita, se dorme
esta é a guerra

os cancros devorando nossos dentros
e seguimos capazes de buscar o fio?
que guerra?

são várias as maneiras de reduzir a cabeça do inimigo
(os que matam hoje
tiro fome doença
serão mortos amanhã
fome doença tiro)
para que caiba na palma da tua mão

isso se diz novelo
o que dispara o gatilho
o que sobre ele manda
o que a esse controla
aquele outro que ameaça
um que quase ninguém vê
por fim aquele que não sabemos se de fato existe
e ao chegar nas festas é sempre delicado
ao jantar nas casas leva flores
ajuda a recolher os pratos
elogia a comida
a cada noite reza e pede paz para os filhos
 vida longa aos inimigos
porque deles se alimenta

nesta guerra

abrem a porta,
a mãe chora agradece a coroa nela os nossos nomes
 saudade eterna morreu tão jovem

então é isto a guerra?

que bobagem, minha querida, não pode ser guerra.
 para haver guerra, algum de nós haveria de ser o inimigo

desenrole-me


* Pinetree Epinetree

6 de dezembro de 2015

por que, mesmo, estamos aqui?

cento e onze homens mortos
no tempo de uma vida depois cento e onze tiros nos mesmos corpos
meninos
custo a descrer que, no fundo no fundo, sejamos todos lindos e iluminados
porque não, não somos
queremos o líquido dos bichos, esse mínimo
queremos o que querem os mais fortes sobre o minúsculo
o tempo cotidiano do senso prático a criar os filhos como se fossem só meus


na gaveta que todos sabíamos havia uma arma para o caso
atenção: todos têm na gaveta uma arma para o caso?
no dia que seria o caso ignorou mulheres e disse para o menor: pegue isto para protegê-las
de que nos protege a mão de uma criança?
o de viver como bichos?
o de amar sem amor?
corpos mortos empilhados uns sobre os outros todos buscando armas contrabandeadas do fundo dos seus olhos
custo a crer, no fundo no fundo, todos a temer o dia que não vem a noite que vem depois de cada abraço
veja o menino, cuja mão tremia no gatilho do que lhe era desconhecido, veja
deixar o dedo repousar

não tinham armas os meninos nem têm gavetas
cento e onze tiros meninos cinco mortos
nossos olhos abertos na escuridão estrelada da pele
os olhos bem abertos
no banco do motorista no banco do passageiro no carro branco branco sangra a visão
esses meninos
no fundo no fundo, custo, ou já nem custo tanto, a crer nos habitam monstros disfarçados de sensatez
uns poucos, dizem, não sentem dor e talvez, veja que digo talvez, nisto resida nosso grande segredo, nossa sobrevivência
não sentir dor

por ela uns buscam o calor da casa
por ela outros tantos só queremos a porta: a porta: e sair

2 de dezembro de 2015

resistencias

sei, há um tempo de gritar nos telhados. não sei se este. este parece de franco-atiradores dormindo na mira, à espera, à espreita. este, parece, é um tempo de resistências. resistência que não é resignação. encontros silenciosos nos porões, sob as raízes das árvores. onde a gente possa se abraçar e se alimentar longe dos olhos de quem nos odeia, perto de quem também procura. a fortalecer fios. a tecer redes. a histórica resistência de palmares, de canudos, a resistência dos curdos, dos franceses, dos alemães, a resistência na índia, na áfrica do sul, no alto rio negro. e costa ricas, palestinas, filipinas, as mil chinas. tantas anas, marias. a resistência dos diferentes. a resistência dos iguais. a resistência dos que nada têm. a nossa resistência, mesma, essa recusa em nos entregarmos à corrente que tudo arrasta. muito, muito depois é que fará sentido. como as árvores no inverno, como os bichos que hibernam, os rios subterrâneos. algumas cigarras. cogumelos. e outra vez o fermento, o sal, a pequena chama: vela.