esta noite
acordei lembrando do dia e do momento em que me dei conta da palavra vórtice.
não o dia que fiquei sabendo que a palavra existia, disso eu não me lembro, mas
quando pensei num jeito de inserir na letra de uma canção. não faço ideia de
como era o verso que inventei, mas sei que estava indo pro correio, na cidade
onde morei dos cinco aos quinze. ir ao correio era sempre a expectativa de
haver cartas. era bom abrir a caixa postal e encontrar cartas. pela letra já
dava para adivinhar quem tinha escrito. caixa postal 360. e a caminho do
correio é que a palavra vórtice ocupou todo o pensamento. lembro que tive que
acrescentar total para dar certo a métrica que o grupo queria. era um grupo
porque era uma canção que a gente queria inscrever num festival. vórtice total.
horrível. eu sei. tudo isso se perdeu na memória: com quem eu estava compondo,
o que é que ficou escrito. permaneceu o momento, a memória do caminho até o
correio, a visão da parede dos correios de franca. a poesia não é a palavra
vórtice, é a memória que aparece às tres da madrugada numa cidade distante
daquela caixa de correio. e tantos, tantos anos depois. nunca mais usei a
palavra vórtice.
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estes
confinamentos e semi-confinamentos tem me gerado sonhos confusos e insônias. no
meio da noite tenho vontade de deixar tudo isso pra trás, pegar um avião para o
brasil, sair correndo pelas ruas, encontrar as pessoas mesmo que desconhecidas.
quando amanhece, tudo isto se perde. no meio do cansaço da noite revirada, a
vontade é de permanecer. a inércia, o não-movimento. não quer dizer que eu não
faça nada. faço. faço tudo o que há para fazer, faço tudo o que é preciso ser
feito. como se um motor me puxasse, me mantivesse à tona. e assim tudo o que
depende de um movimento interno, um querer, um esforço, tudo isso se perde,
como se o desejo escorresse em si mesmo, como se se perdesse de si mesmo.
a luz fica
acesa na minha cabeça a noite inteira. de manhã deve estar lá também, mas não
ilumina nada.
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hoje é o
dia mais curto do ano. o bom de ser o dia mais curto é que a partir de agora os
dias voltam a crescer. ou: hoje é a noite mais longa. as noites passarão a encolher.
antes de que chegue o calor, virá muito frio. depois do frio virá o tempo de
ver brotar as folhas na ponta seca das árvores. estar atento ao tempo para não
me perder na pasmaceira dos dias deste ano quarentena, deste ano sobreaviso,
medo, vírus, pandemia. cada um atado a seu espaço, o tempo, reduzido, porque o
tempo se expande com a expansão dos espaços. e dos abraços. rima pobre e
triste. eu sei.
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conjunção
de saturno e júpiter. raro de se ver. não sei se será possível ver. imaginar os
planetas formando uma linha, o sol numa ponta, na outra o resto todo do
universo fazendo curvas e silêncios.
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as mãos envelhecidas de caetano são de uma beleza indescritível.
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caetano veloso
não é roberto carlos. ainda bem. cada um é um.
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assistir o
show ao vivo foi como estar numa casa com muitos amigos. como se não houvesse
tantas distâncias. aqui era madrugada. na tela do telefone a singeleza de uma
lua que é sol que é auréola e cocar. o escuro e as cores, uma a uma. todas.
caetano
falou das areias brancas no chão das casas, do perfume das folhas de pitanga
pisadas, os presépios com tudo o que há no mundo em volta. e isso era o natal.
penso que por
mais que ponham luzes luzinhas enfeites bobagens comidas estúpidas, presentes,
embalagens, gente reunida falando alto, natal sempre vai ser a alegria dos que
ficaram à margem apesar de terem ficado à margem, o cheiro dos currais, a
palha, o susto de saber que a cada criança que nasce o mundo volta a ser
criado, desde o momento aquele do silêncio sobre as águas ao do descanso
possível, passando pelo dar nome a todos os bichos, e entre os bichos o humano
frágil e imenso ao mesmo tempo.
tudo isso
com o perfume das folhas de pitanga.
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"feliz 2001" (sic)