31 de janeiro de 2022

azul da prússia

«cada galáxia, inclusive a nossa via láctea, possui em seu centro um buraco negro massivo cuja força de gravidade influi sobre as estrelas ao seu redor. quando alguma destas estrelas é devorada, seus restos giram ao redor do buraco negro e brilham com luz de diferentes frequencias. em alguns casos, os restos estrelares expulsos formam jorros potentes qeu brilham em frequencias de luz de rádio.»

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a astrofísica é tão bonita.

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«olha para o céu, tira teu chapéu pra quem fez a estrela nova que nasceu...»

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tudo é narrativa, cada ciência, como cada língua, um universo próprio a olhar nosso universo comum.

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dia desses, li sobre o cianômetro. que teria sido um dos instrumentos criados e usados por humboldt em suas pesquisas cientificas. achei a ideia tão bonita: fazer uma escala de azuis, numerando cada intensidade, e depois verificando em que grau estaria o céu ali daquele lugar específico.

pesquisei e entendi que o humboldt não inventou o cianometro. a invenção é de saussure, o alpinista, não o linguista, em sua tentativa de explicar às pessoas o que é que se podia ver nos altos do mundo, mas também buscando confirmar hipóteses que não se confirmaram.

é tão difícil descrever o azul.

logo imaginei o diálogo entre van gogh e saussurre ou humboldt sobre os azuis, cianômetro numas mãos e a paleta com a confusão de titnas em outras mãos. ali, imersos no céu que sempre imaginamos azul, ainda que seja negro, escuro se não há luz ou se já ultrapassamos a atmosfera da terra em direção a não sei quê.

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o cianômetro é um aro com sessenta graus de azul, entre o branco e o preto, estando os azuis pintados em papeizinhos organizados como penas de um cocar. ao levantar este cocar contra o céu, busca-se o azul que mais se aproxima do que se vê na abóboda celeste. 

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no cimo do montblanc, saussure viu um azul de 39 graus. já humboldt encontrou o mais profundo dos azuis, o de 46 graus, no vulcão chimborazo, nos andes.

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miles davis ao misturar os significados da palavra blue, compôs, sem cianômetro, um album chamado kind of blue.

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medir a tristeza com um cocar de penas azuis.

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8 de janeiro de 2022

o que trazem os magos do oriente

imagem: @oysterboywho ou joão bresler

a experiência do corpo a corpo com a ovelha vem e vai nos meus dias. cada vez que abraço o cão, é na ovelha que penso. o emaranhado da lã áspera e suave ao mesmo tempo, disfarçando uma força física que eu não supunha. também me pergunto como é que a ovelha se meteu naquelas cordas, naquela cerca de horta. por que ela estava ali e as outras não? o que faziam as outras que não vinham ao menos para fazer multidão de rebanho e afastar os cães e talvez os lobos. há quanto tempo poderia estar ali a ovelha e quanto tempo mais ela teria aguentado ficar?

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hoje, fazendo faxina, pensei também nas tantas camadas de poeira que vão se assentando na casa. é como o cabelo que cresce e a gente não vê, a unha. o pó se assenta quando não se olha e quando menos se espera é uma camada grossa que deixará manchas escuras no pano de pó. há pó em todo canto. no pelo da ovelha também. e galhinhos e capim.

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o cão respira pesado ao meu lado. às vezes me pergunto o que será que ele sonha. se humanos intervimos no seu sonho com nossos sons e sinais. se ele sonha com sombras e cheiros. com medos. e as alegrias próprias de um cão.

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quais são as alegrias próprias de um cão?

 e as impróprias?

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no dia de reis ganhei de presente uma pintura que dialoga com a pintura do cão afundado na areia do goya. no lugar de um cão desconhecido, o cão que vive conosco. achei de uma doçura! ganhei também uma espátula de madeira fina e frágil, multiuso. cada objeto carrega consigo o gesto das mãos que o fizeram. ou uma ideia que move. no caso da caixinha de tic tac com arroz dentro, ganhei uma memória, a confusão de um sentimento que era de cuidado e virou uma mini tragédia no pensamento de um menino (andando pela calçada estreita, ele disse: olha, mãe, um arrozinho! e me mostrou um grão de arroz na ponta do dedo. ao mesmo tempo em que perguntava de onde tinha tirado aquilo, mandei: joga isso fora! e ele jogou. depois de jogar, explicou: não era um arroz, era uma balinha de tic tac que ele tinha chupado até ficar parecida com um grão de arroz. depois de explicar, chorou. também eu fico com o choro preso na garganta quando penso neste dia. e a minha aflição em protege-los. proteger do quê? se o mundo não é uma ameaça, é um imenso campo de experimentações...).

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as muitas epifanias de que é feita cada epifania.

1 de janeiro de 2022

de ovelhas e ano novo

nos tempos de presépio, sempre penso muito nas ovelhas, nos cordeiros, nos pastores da beira do mundo, levando os animais até os longes mais longes pra pastar porque nem sempre há comida ao lado. vão em silêncio, os pastores. já as ovelhas ou sussurram ou balem, ou tangem os sinos nos pescoços. uma multidão de ovelhas atravessando os caminhos ou as ruas pequenas dos antigos vilarejos são sempre uma massa densa de lã bruta. sempre me emocionam. em tempos de presépio, mais ainda.

 

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caminhando entre campos de oliveiras e pedras, o cão correu na direção de um balido que não parava. os tres que estavam comigo foram atrás do cão atravessando a terra revolvida. fui pelo outro lado, pela estrada lisa, pensando que se tratava de convencer um cão a deixar de seguir um rebanho de ovelhas.

quando cheguei mais perto, vi que o cão não se incomodava com o rebanho ali mais adiante, mas atiçava uma única ovelha, que se debatia para escapar do cão, das mordidas do cão, e quanto mais se debatia, mais se enroscava numa rede em que tinha se metido não sei como. o cão avançava latindo, a ovelha dava coices, se virava, balia. o medo nos olhos da ovelha ao olhar para o cão que latia muito, mas também ao olhar pra mim, que me aproximava.

consegui agarrar a ovelha, quando um dos três conseguiu controlar o cão.

a ovelha buscava escapar de mim, e se enroscava mais. devagar tirei as cordas que estavam atando suas patas da frente, eu tentava dobrar a pata da ovelha e ela esticava a pata, resistindo. pouco a pouco desvencilhei as quatro patas e ela se sentiu livre e ao se sentir livre, tentou correr na direção das outras ovelhas que esperavam adiante, a pequena multidão densa de lã bruta balindo balindo e os olhos da ovelha perto dos meus olhos. a corda atada no pesçoço e quanto mais força ela fazia para escapar, menos eu conseguia tirar aquela corda.

um corpo a corpo com a ovelha. seu peso, sua força, seu pelo macio e áspero ao mesmo tempo, meu peito colado ao corpo da ovelha e eu sentia seu coração disparado. sua respiração ofegante.

chamei os meninos, sozinha eu não tinha força para arrastar a ovelha e fazer o movimento de tirar a corda do seu pescoço. eles vieram, soltamos a ovelha que saltou pra longe, correu na direção das outras ovelhas. minhas mãos vazias.

 

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isso foi há alguns dias. e continuo impactada por este encontro. não sei descrever o que houve, o que foi que se desencadeou em mim ao desatar esta ovelha, ao abraçar esta ovelha, sentir seu coração perto do meu.

 

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nos seus diários, tarkovsky gostava de registrar fatos que ele classificava como extraordinários ou sobrenaturais, como pessoas que adivinham o futuro, que movem objetos com o pensamento, coisas assim. um dos registros é de uma profissão que havia entre um povo de pastores e que consistia em reunir cordeirinhos perdidos no rebanho, faze-los voltar com suas mães. o homem, a partir do balido sabe reconhecer que filhote é de qual mãe. milhares de ovelhas e cordeiros balindo e este homem sabe quem se conecta com quem, sabe encaminhar os que se perderam para que se encontrem.

 

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hoje se abre mais um ciclo no tempo, ou nesta nossa forma de agarrar o tempo nas mãos, dividindo em anos, meses, dias, horas, minutos. segundos. dentro dele, nosso coração e o das ovelhas bate compassado. que venha 2022.