gaveta de guardados. na minha memória, este poema tem a voz do tom jobim que o recitou uma vez nalgum especial de algum programa de tv e eu gravei num k7 que carreguei comigo até os k7 não terem mais serventia.
11 de novembro de 2022
elegia (carlos drummond de andrade)
9 de novembro de 2022
instruções para dar fim a um embuste
(para gina dinucci)
olhou em volta e viu a mata toda queimada, os animais mortos, patas e bicos imóveis, quando viu tudo cinzas, silêncio, carvão, sentou-se e chorou.
toda floresta um dia nasceu. cresceu lenta e lentamente se formou espaço entre árvores, onde novas plantas buscam o sol, e outras preferem a sombra ao rés do chão. o tempo trouxe as epífitas, suas raízes aéreas, e também os bichos que não vemos. insetos minúsculos, aranhas, aves que aí gorjeiam, macacos, onças, preguiças, um tamanduá. tudo, tudo o que nos fez ser floresta, um dia nasceu. e se fez.
depois do incêndio, éramos muitas ali sentadas chorando a devastação.
enquanto chorávamos, raízes e sementes, insistiam, depois de resistir ao fogo. repare.
levante-se, portanto.
tire o poder das mãos de quem incendiou este país.
aguce a vista e busque as ferramentas para afastar as cinzas onde mínimos verdes despontam.
chore pra regar a vida até a próxima chuva.chore e dance.
insista em seu verde, como insistem as sementes e as raízes, até que voltem as aves, os insetos e outros animais, até que a floresta seja. seja sinfonia, cores, sombras, luz.
8 de novembro de 2022
o rio
há oito mil dias apostei
num posto avançado de observação da beleza.
a hipótese? um mistério
que de tanto ser observado
se desvaneceria -- névoa
no mar bandada
de maritacas águas entre os dedos.
sem saber que a beleza era o mistério, em si,
desfazendo-se e fazendo-se a cada manhã
o escuro no caminho dos teus olhos,
a luz acesa
quando ninguem mais me espera,
a palavra que se deposita na boca e sem dizer
nada é toda mistério em sua máxima beleza.
7 de novembro de 2022
palavra lâmina cega
no quarto onde trabalho as janelas são amplas, é um andar alto, entra muita luz e, nas primeiras vezes em que olhei para baixo, cheguei a ter vertigem. gosto de ver assim do alto a copa das árvores, as pessoas, os cachorros. é uma praça ampla, várias espécies de plantas que vão mudando de cor ao longo do ano. é bonito. e o céu aqui é sempre estonteante.
gosto do barulho cotidiano, de crianças brincando e gritando, cães latindo, pássaros, um conjunto de sons que vai configurando o ruído urbano que ocupa o fundo do pensamento sem que eu me dê conta, como a água nos constitui e nunca pensamos nisso, como respiramos sem fazer esforço ou estendemos a mão para ajeitar o cabelo.
mas há um tempo cada manhã alguém vem à praça e grita, gritos estridentes em curtos intervalos de tempo, é um misto de grito de agonia com pio de ave noturna. como os intervalos não são regulares, sempre me pega de surpresa. e provoca em mim uma espécie de pontada dolorida, que me tira de um centro já tão desfigurado ultimamente. se fosse um pássasro, eu saberia quando vem um próximo grito. mas não é.
outras vezes me irritam o piano incerto e repetitivo de uma aula de música no apartamento vizinho., o barulho de um martelar ininterrupto na parede ao meu lado, uma furadeira, uma britadeira, escavadeiras de bocas imensas derrubando edifícios, a risada nervosa de alguém.
de um momento a outro corta-se o fio da palavra, fica esta lämina agonizante na ponta dos meus dedos que nada tecem nem fiam e nem por isso se vestem desperatando a inveja de nenhum salomão.