tudo me desconcentra. como se eu fosse ou tivesse um centro, e desde dentro já não conseguisse tecer linhas que como fios de aranhas me conectassem ao em volta e trançados em teia capturassem meu alimento. fico parada no meio das manhãs, sem voz que diga e sem comida.
no quarto onde trabalho as janelas são amplas, é um andar alto, entra muita luz e, nas primeiras vezes em que olhei para baixo, cheguei a ter vertigem. gosto de ver assim do alto a copa das árvores, as pessoas, os cachorros. é uma praça ampla, várias espécies de plantas que vão mudando de cor ao longo do ano. é bonito. e o céu aqui é sempre estonteante.
gosto do barulho cotidiano, de crianças brincando e gritando, cães latindo, pássaros, um conjunto de sons que vai configurando o ruído urbano que ocupa o fundo do pensamento sem que eu me dê conta, como a água nos constitui e nunca pensamos nisso, como respiramos sem fazer esforço ou estendemos a mão para ajeitar o cabelo.
mas há um tempo cada manhã alguém vem à praça e grita, gritos estridentes em curtos intervalos de tempo, é um misto de grito de agonia com pio de ave noturna. como os intervalos não são regulares, sempre me pega de surpresa. e provoca em mim uma espécie de pontada dolorida, que me tira de um centro já tão desfigurado ultimamente. se fosse um pássasro, eu saberia quando vem um próximo grito. mas não é.
outras vezes me irritam o piano incerto e repetitivo de uma aula de música no apartamento vizinho., o barulho de um martelar ininterrupto na parede ao meu lado, uma furadeira, uma britadeira, escavadeiras de bocas imensas derrubando edifícios, a risada nervosa de alguém.
de um momento a outro corta-se o fio da palavra, fica esta lämina agonizante na ponta dos meus dedos que nada tecem nem fiam e nem por isso se vestem desperatando a inveja de nenhum salomão.
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