23 de setembro de 2011

plural

"A condição poética

Como se tivesse em vez de olhos binóculos ao contrário, o mundo
se distancia e pessoas, árvores, ruas, tudo diminui, mas nada
nada perde a clareza, fica mais denso.
Já tive antes momentos assim, escrevendo poemas, conheço então
a distância, a contemplação desinteressada, sei assumir
um eu que é não-eu, mas agora é sempre assim e me pergunto
o que significa isso, se entrei numa permanente condição poética.
As coisas difíceis antes, agora são fáceis, mas não sinto desejo
forte de transmiti-las por escrito.
Só agora estou sadio, e era doente, porque o meu tempo
galopava e afligia-me o medo do que viria.
A cada momento o espetáculo do mundo é para mim de novo
surpreendente e tão cômico que não entendo como a literatura
podia querer dominá-la.
Sentindo fisicamente, ao alcance da mão, cada momento, amanso
o sofrimento e não suplico a Deus que queira afastá-lo de mim:
por que o afastaria de mim se não o afasta dos outros?
Sonhei que me encontrava numa estreita borda sobre o oceano
onde se viam nadando enormes peixes marítimos.
Tive medo que se olhasse, cairia. Virei, então,
agarrei-me nas asperezas da parede rochosa,
e movendo-me lentamente, de costas para o mar, cheguei
a um lugar seguro.
Eu era impaciente e irritava-me a perda de tempo com coisas triviais
incluindo entre elas a faxina e a preparação da comida. Agora
corto com cuidado a cebola, espremo os limões, preparo
vários tipos de molho."

(Czeslaw Milosz, tradução de Ana C. César e Grazyna Drabik)

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