30 de julho de 2020
em círculos
23 de julho de 2020
quem dera
fui escrever quarentena – que é um pleonasmo para confinamento – e escrevi quaresma. voltei atrás, corrigi. segui.
depois, vi que o pensamento ficou ali girando em torno da confusão.
a quaresma tem um peso roxo de dor e sofrimento. tempo de jejum. imagens e espelhos tapados, silêncios. a religiosidade do deus castigador, senhor dos exércitos, para quem as mulheres são a embalagem para mandar um filho pro mundo, e que também derrama sofrimento sobre o próprio filho, sangue, crucificação, martírio. mas, veja bem, o final da quaresma – e a quaresma sempre tem final – é a páscoa, em que tudo é luminoso, origem, primavera, pura ressurreição. páscoa é feminino, é as mulheres na madrugada descobrindo que quem elas ama é maior que a morte. páscoa, pra mim, é joão dizendo que no princípio era a palavra. a palavra sendo.
talvez eu quisesse uma quaresma no lugar da quarentena pra poder alimentar alguma esperança de páscoa.
porque a quarentena, ao menos no meu olhar sobre ela hoje, não tem muita perspectiva. tem peso, escuridão, aspereza, nada de flores ou frutos no final, nada de grandes transformações, renascimentos. só mais do mesmo. e este cansaço.
no começo do caos mundial em torno do vírus, cheguei a acreditar que pudéssemos – nós, humanidade, seguir por uma mudança deliberada e consciente, aproveitando a pandemia para buscar novos caminhos para o nosso convívio: suprimir as fronteiras, redistribuir renda, reduzir o consumo, garantir saúde, educação, moradia para todos, viver de um jeito mais sustentável. também cheguei a pensar que depois de tantos dias presos em nossas casas, quando nos encontrássemos seríamos só alegria e abraços. e, no entanto.
aprendo e reaprendo, me lembro, que nada muda se a gente não se move a cada dia, a cada dia, a cada dia. e cada gesto.
passaram os dias e a quarentena virou bichos na jaula que não sabem em quem por a culpa, imobilizados, incapazes de sonhar outro futuro que não este presente insano.
nos silêncios de dentro, vou buscando seiva.
me inspiro nos tomates que crescem em cachos. e nos talos que se vergam no vento. se adaptam.
22 de julho de 2020
nossa iminência
às vezes amanheço como se estivesse à beira de uma tragédia, na iminência de um desastre. nunca sei se minha particular ou coletiva. ou ambas. a cabeça pesa e o intervalo entre uma batida e outra do coração é maior, tudo é lento. me lembra um pouco uma ressaca. mas há tanto tempo nem bebo.
me dou conta que estamos há meses dentro do desastre. por que em alguns dias isso pesa no corpo e em outros respiro e ando e faço cada coisa como se a vida estivesse absolutamente normal e caminhássemos todos juntos para a plenitude do universo eu não sei.
talvez seja só o tempo seco. este agosto universal que se aproxima.
dou água pras plantas.
varro o chão.
junto as cinzas da véspera.
temos sido isso, esse cuidado, a manutenção do que pensamos ser, esse juntar cinzas.
não me cubro com elas. um tanto se vai no vento, outro tanto lanço no composto que um dia alimentará as plantas.
preparo o fermento.
ontem me lembrei de comprar sal. sem sal, dizem, há briga na casa.
quero paz.
***
me encolho num canto e espero.
respiro. repito o poema que a fabi me mandou: “voragem mamífera da vida”.
sigo.