23 de janeiro de 2021

nos vendavais deste inverno

nada de novo, só o mesmo espanto diante da quantidade de informação a que somos expostas cada dia, o dia todo. às vezes, é como um sobrevoo, que em grandes linhas dá uma ideia do que acontece no mundo (será?). mas há dias em que meus olhos só encontram minúcias, detalhes, por qualquer lado: da tela aos livros, da cozinha às anotações que ficam perdidas em papelinhos por todo canto onde tenho papeizinhos. e não são poucos. no final de dias assim, uma espécie de excessos me toma a cabeça. tudo gira e nada faz sentido.

nestes tempos sem chão, os dias de excessos parecem folhas secas revoando no vendaval, sem pouso. sei que houve uma árvore que conectava as folhas, ou várias árvores num mesmo chão a unir os fluidos, ao menos. mas cadê o chão, os fluidos, a árvore?

***

as florestas de sequoias de tempos em tempos precisam de incêndios, para que a vegetação que está na base das árvores possa receber a luz do sol e crescer. a casca das sequoias maiores é grossa o suficiente para que resistam ao fogo. o que parece morte é a vida daquele lugar.

***

os lobos só aparecem na prosperidade.

***

escavo partículas hipotéticas de matéria escura. a pá pesa imenso e forma calo nas mãos. depois com uma pá minúscula miniatura escavo ossos nervos artérias hemácias células em busca de um vírus cuja existência não é uma hipótese. é uma experiência horrível. que causa horror. encrespamento, agitação, estremecimento,  tremura, terror, medo. medo. sensação de medo, que faz arrepiar o cabelo e a pele. dentro.

***

não se percorre o mundo para mudá-lo. percorre-se o mundo e, por percorre-lo, o tornamos outro.

***

silene siegel, no filme do furtado, é uma reserva de risada do ridículo que somos. que eu possa rir de mim mesma é um princípio de compaixão. e a compaixão por alguém é o contrário do medo.

***

pus umas sementes de salsinha na terra, depois de as deixar na água por vinte e quatro horas como recomendava o envelope onde vinham as sementes. por mais que tenha feito o frio que a semente de salsinha precisa para brotar, não há broto de salsinha. as rúculas são umas fáceis, deliciosamente fáceis, em poucos dias já suas cotilédones se exibem desenhando na terra o movimento do dedo ao desenhar o sulco pra abrigar a semente.

 

de resto, é um tempo difícil para as plantas. o excesso de vento, a temperatura baixa, algumas dormem, outras  só tiram um cochilo, um prender de respiração.

a calanchoe prepara mil botões de flor.

***

o vento que não pára resseca as folhas, depois as arranca dos galhos e as leva em redemoinhos como se nunca mais fossem tocar o chão.

como o excesso de informações desconectadas que me ocupam a cabeça estes dias.

***

e há manaus.

***

que não nos falte o ar.

 

 

 

Nenhum comentário: