8 de janeiro de 2024

epifanias

sou alguém que carrega seus mortos consigo. carrego também os vivos, ainda que os vivos, tantas vezes tão distantes no tempo ou na geografia, nem saibam que são carregados por mim. já os mortos, sim, esses sabem. sabem que os carrego e sabem que isso faz diferença. não tanto pra eles. entre os mortos, carrego amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos. carrego uns nomes sem sentido, e até mortos sem nome que sobrevivem em pedaços de histórias que alguém me contou. carrego comigo a menina que desistiu quando tínhamos uns doze anos. carrego minha bisavó, meus avôs, minhas avós, carrego meus pais. carrego os irmãozinhos da minha mãe e do meu pai, de um tempo em que tantas crianças “não vingavam”. carrego tias, primos, amigos mortos. carrego amores antigos, sua pele delicada, seus abraços, seus olhares e tudo o que não foi dito ao longo de não-vidas, eu carrego. às vezes, de manhãzinha, vou desfiando nomes e datas, ladainhas de gente que eu quereria aqui, nesse momento, nesse dia. na noite da epifania muitos me visitam, como se fossem os magos, e no dia oito de janeiro, como hoje, penso na ana, que está viva, e penso na janaína. falo com ela. como converso com todos os mortos que carrego. às vezes me respondem com arroubos, outras vezes sussurros. ou nem isso. me esforço pra escutar no vento um murmúrio qualquer que me lembre tudo o que fomos e fizemos ou que me confirme que ainda seguimos vivas.

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