cada vez que passavamos por perto, metia o focinho tentando alcançar o ninho, o filhote. sem conseguir. estavam fora do seu alcance e eu respirava aliviada (e ainda certa de que fossem ratos).
hoje, perto do oco de parede, lá estavam a mãe pombo e seu filhote ensaiando voos.
e porque acreditei que ninho e filhotes estivessem fora do seu alcance e porque não reparei na aula de voo ali bem pertinho do oco ao rés do chão, deixei o cão solto.
o cão correu, saltou, abocanhou e matou o filhote. foi para um canto do parque com o pombinho na boca. enquanto devorava cabeça, vísceras, patas, partes mole, a mãe pombo não deixava de dar voltas e mais voltas onde seu filhote tinha desaparecido sem explicação.
em seus olhos a tristeza infinita de uma mãe que perde seu bebê.
a tristeza infinita de uma família quando matam seu bebê.
a tristeza infinita de um clã, de uma cidade, de um povo.
a tristeza infinita.
a tristeza da nossa humanidade quando matamos os bebês.
quantos bebês mortos se calcula que sejam necessários para que a tristeza seja densa, consistente a ponto de nos mover?
quanta tristeza é preciso?
quantos bebês alvejados, mutilados, mortos de fome para que se interrompa por fim o gesto, a mão de quem obedece e cale para sempre a boca de quem manda matar?