11 de agosto de 2025

não olhe

quem adivinharia as fomes da minha avó? quem veria as fomes da minha mãe? uma neblina densa nos cega e não vemos as crianças na beira de um mundo que se esfacela.
minha avó dizia para minha mãe que dizia para mim e minhas irmãs: não olhe para o lado ruim da vida, e desviávamos a vista do medo, do assédio, dos acidentes. vivíamos docemente instaladas num coração que nada vê por não conhecer as sombras.
foi preciso um raio, um talho na pele inflada e túrgida, para que a ferida purgasse os vermes, os venenos, os estupros, a dor.
para que, enfim limpa, a ferida fosse fome.
a fome que move o mundo, não a que o mata e nos devora desde dentro.

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