27 de setembro de 2013
no limite entre pedra e musgo
asperamente: o lamber de cada letra que a palavra é que a palavra não é sua irrealidade sua realidade tocar o que a palavra quer ser e não quer dizer seu futuro gozo de palavra muda: sua glória sua nudez de palavra em concha a concha: passar os dedos neste oco que a palavra também é reorganizá-la em seu úmido e ouvir na palavra – seca – seu coração desritmado sentir na palavra - cega – sua pupila dilatada o céu da palavra que não se sabe palavra que agoniza sozinha sob a noite estrelada
25 de setembro de 2013
24 de setembro de 2013
hoje: quatro
"O perder-se por esses labirintos, que aos neófitos pode parecer uma ocupação estéril, me parece muito mais prática e com os pés no chão do que investir aos trancos, como um cordeiro, contra circunstâncias estranhas a nós, que se conjuram para nos complicar o lado puramente utilitário de nossa vida que é, sem dúvida, o mais real e inapreensível, dada sua elementar e irremediável idiotice. Para essas especulações dinásticas nada mais propício, pelo menos no meu caso, que o mormaço ardente do trópico, que costuma aguçar meus sentidos e minha inteligência até os limites do visionário e delirante. É aí que o calor e a umidade se conjuram para estabelecer uma noite com ambiente de caldeira e o sono vem, como uma guilhotina aveludada e piedosa, que nos deixa à margem de esquecidas regiões da infância ou de obscuros meandros da história, povoados por figuras que vivemos como fraternas presenças inefáveis."
(Álvaro Mutis, Ilona chega com a chuva. Tradução: Josely Vianna Baptista)
18 de setembro de 2013
17 de setembro de 2013
lamparina no canto do quarto
a árvore inveja o vento
que inveja a casa
que inveja o mar.
que inveja a casa
que inveja o mar.
a árvore pode ser barco
a casa pode ser barco
um fareja o outro
mar e barco
como um cão fareja o dono
às vezes todos esses se abandonam
sendo o que são
sem pensar
então, nesse único instante, o barco se sabe peixe
e a árvore se reduz a semente
16 de setembro de 2013
nada zen
a partir daquele momento, perscruto o mar como um radar busca o navio inimigo, e uma tensão discreta substitui a calma anterior da contemplação. espero: quero adivinhar seu caminho em profundezas de pedra, quero conhecer seu fôlego para que o trajeto dos meus olhos cruze o seu trajeto e eu veja despontar cabeça ou nadadeiras no instante mesmo em que meu dedo apertar um gatilho. ainda que o disparo não a mate, eu e ela morremos um pouco – a tartaruga – quando reduzo sua existência, antes ampla e leve contemplação, a uma inscrição fotográfica: tartaruga recortada do horizonte, amputada pelo meu olhar, meu cálculo, minha visão restrita de mundo.
15 de setembro de 2013
13 de setembro de 2013
mil novecentos e setenta e sete ou through hardships to the stars
então eles teriam perguntado o que você colocaria numa
mensagem para não sei onde, para não sei quando, para não sei quem, e você
poderia ter dito que pensava colocar umas fotos, talvez umas músicas, talvez
uns desenhos, talvez, sem saber o que poderiam querer dizer estes tantos não
saber, até se dar conta que você era justo o cara que pensava na possibilidade
de tudo ser possível, embora todo possível também pudesse ser impossível, e
elaborou uma lista, de sonhos, mas também de realidades, e pensou nos lugares
mais lindos da terra, e pensou nos pescadores portugueses, e pensou nos pássaros,
e pensou no som do vento, e pensou no som da água, e pensou em coisas sublimes,
e pensou em outras, banais, e pensou no tempo que devora o espaço, e pensou no
espaço que devoraria a nave antes mesmo que você se imaginasse depositado em
cinzas ou terra, e pensou nas grandes caravelas atravessando mares, depois, por
fim, pensou na estupidez do humano, um pequeno e minúsculo humano, que também não
sobreviveria, e não teria seu nome inscrito em lugar algum, pois seu poder foi não
deixar o sol dos beatles ir pro espaço, talvez um dia tornando verdade um outro
registro desse disco de ouro, a partir deste momento considerado interestelar: many
people comin' from miles around to hear you play your music 'till the sun go
down maybe someday your name will be in lights... sayin' johnny b. goode
tonight...
9 de setembro de 2013
6 de setembro de 2013
a água escorre do cesto
às sextas, lê-se mais poesia que às segundas. deveria ser o
contrário porque a sexta já traz em seu bojo a alegria de pequenos fins e
recomeços, ou isso não seria alegria, porque a última caixa a última gaveta a última prateleira são
sempre as mais demoradas mas se é no último lugar onde se busca que a coisa é encontrada.
às sextas quase sempre o tempo é bom, e é no domingo que abrimos os olhos à procura.
se penso: estou em pé, os antípodas se descabelam. poderia ser o contrário, embora nem isso seja: verme pegado na pele da terra. o universo que somos um dia, se recriará em outro. e esse dia será uma sexta. e nesse dia a fratura interna se soldará, a pele se consertará cicatriz.
quando ligo, ela atende e quase não respira, quem perde o fôlego sou eu. sua voz é desmedida e os nós dos meus dedos como os seus ficam cada vez mais grossos, com o passar dos anos: nós.
um homem que mata outro homem nem sempre se recolhe em silêncio. às vezes grita. às vezes sexta.
nunca nenhuma poesia.
às sextas quase sempre o tempo é bom, e é no domingo que abrimos os olhos à procura.
se penso: estou em pé, os antípodas se descabelam. poderia ser o contrário, embora nem isso seja: verme pegado na pele da terra. o universo que somos um dia, se recriará em outro. e esse dia será uma sexta. e nesse dia a fratura interna se soldará, a pele se consertará cicatriz.
quando ligo, ela atende e quase não respira, quem perde o fôlego sou eu. sua voz é desmedida e os nós dos meus dedos como os seus ficam cada vez mais grossos, com o passar dos anos: nós.
um homem que mata outro homem nem sempre se recolhe em silêncio. às vezes grita. às vezes sexta.
nunca nenhuma poesia.
5 de setembro de 2013
dê flores aos vivos
por conta do medo, há quem distribua suas riquezas aos
pobres.
quem funde linhagens, arranque os dentes.
há quem.
por mais que me proteja, o vento vem, revira tudo, fora dentro tempo e medo no abismo rochoso.
tudo o que eu podia fazer eu fiz. podia pouco. fiz menos ainda.
não sou matéria sou fissuras
porosidades
areia móvel. grão.
o vazio onde o molusco se firma.
a explosão do mar.
a espera.
não a pedra.
quem funde linhagens, arranque os dentes.
há quem.
por mais que me proteja, o vento vem, revira tudo, fora dentro tempo e medo no abismo rochoso.
tudo o que eu podia fazer eu fiz. podia pouco. fiz menos ainda.
não sou matéria sou fissuras
porosidades
areia móvel. grão.
o vazio onde o molusco se firma.
a explosão do mar.
a espera.
não a pedra.
4 de setembro de 2013
outra vez hubble
3 de setembro de 2013
a política é o ópio da poesia e o inverso
olhar o mar faz ser margem. nem dor. só este contorno, beira, este risco. transitar a fronteira, qualquer, abismo em seu peso decantado sobre a cabeça. pés molhados. um passo. outro, areia. maresia. orvalho, geada leve, fina neve sobre folhas. o instante poético declina, sem rede ou retaguarda, salta no vazio, levita.
2 de setembro de 2013
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