14 de março de 2021

babel de seda

 antes dos filhos, eu pensava que birra era coisa de criança mimada e olhava com desconsolo a birra das crianças em lugares públicos e os pais e mães que se desesperavam ou não faziam nada, ignorando a mistura de berro choro reclamação. toda birra é incômoda.

depois dos filhos entendi que não. a birra é mais como o latido louco de um cão. aquilo que não cabe na palavra, aquilo que não encontra expressão, brota na birra como no latido. um cachorro late quando precisa de alguma coisa que não está sendo satisfeita. uma criança faz birra quando não sabe dizer se o que sente é dor, desconforto, fome, cansaço, desamparo ou uma mistura sem palavra de tudo isso.

as palavras neste blogue desde que começou o confinamento há um ano parecem mais a birra de uma criança pequena e o latido de um cão. não são textos pensados nem revisados, são uma espécie de diário, de vômito, de desparramo de sentimentos confusos, ora pelo desespero de estarmos presos como animais na jaula, ora pelo medo da morte, ora pela sensação de perda ou ausência de chão que foram se transformando os tempos nos últimos meses.

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há quem ironize o fato de nos voltarmos para coisas bobas como plantas e pães. como eu teria passado estes tempos se não fosse observando o mínimo que se desdobra em folha ou em fermento? como respirar se tudo em volta fosse um fundo infinito que, ao contrário do que diz o nome é absolutamente restrito, disforme, opressor. estar sem chão, sem horizonte, sem perspectiva. nada de ponto de fuga, nada de rota para escapar.

continuo me sentindo um pouco assim. um mundo que por um momento se preocupou com a mudança climática e a tragédia da vida no planeta e em seguida voltou ao consumo inútil e ao abismo cada vez mais profundo entre os ricos e os pobres, largando os últimos à sua própria sorte, como se houvesse saída individual ou só para uns quantos. fundo infinito da miséria humana.

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aqui já chega a primavera. os botões dos plataneiros já estão túrgidos, verdes, esperando o dia da explosão. amanheço cada dia indo ver como estão, mesmo sabendo que é só na páscoa que surgirão as folhas novas, de verde recém-pintado. como as árvores sabem que o tempo chegou? como a gente não sabe?

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e quando é que o tempo chega?

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plantei umas batatas de casca roxa em dezembro, quando nem era dia de plantar, experimentando um novo jeito. hoje, quando vi que mesmo sem florir o pé de batata começou a secar, tirei a terra do vaso e resgatei umas tantas batatas rosadas. no dia de são josé será dia de plantar batatas outra vez. vou comprar terra e vasos maiores. em vez de jardins suspensos, uma horta. em vez de babilônia, barcelona.

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quero envelhecer mais patti smith que dona beatrix.

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um homem, sentado sozinho diante do mar, chora.

uma mulher, ninguneada na repartição pública com seus cinco filhos, desentende.

uma bicicleta, amarrada no poste, espera.

o relógio, esse, nunca para.

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