leio as notícias astronômicas e científicas da mesma maneira que as notícias do dia a dia dos humanos, em pedaços desconectados do todo, mal sei o que está acontecendo, não entendo os fluxos nem as consequências, também não sei como é que se chega em tal ou qual notícia e por que esta e não aquela estampa as primeiras páginas ou ocupa letras garrafais na tela do meu computador.
já os poemas, mesmo os de outros tempos, me dizem sempre o que é que está acontecendo entre nós, humanos. consolo na praia, por exemplo, de carlos drummond de andrade:
Vamos, não chores.A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
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no verão passado plantei uma tampinha de beterraba. enraizou e formou uma montainha. a montainha deu folhas, muitas folhas, que fomos usando para salada. depois cresceu mais, nunca parou de crescer. as folhas que nascem são cada vez menores, mas a beterraba da qual elas nascem se parece cada vez mais a uma mini montanha onde pastam as cabras, ou um elefante que enterrou as patas e a tromba no chão fofo do vaso e resolveu virar planta. penso que não lançou raízes muito firmes, penso que talvez já esteja cansado de fazer brotar tantas folhas, penso que me apeguei à sua aspereza, sua incompreensível insistência para mim que olho uma pedra e não sei o que ela pensa.
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por um tema diplomático, marrocos relaxou na vigilância de sua fronteira com espanha, em ceuta, que na verdade é na áfrica, embora se considere território europeu. estes dias, mihares de pessoas vindos de vários países africanos, atravessaram a nado, cruzando um espigão que é a fronteira, que é a porta de entrada para um mundo um pouco mais ameno que aquele de onde toda esta gente vem. há muitas pessoas defendendo a vida e o direito destes migrantes. mas a maioria das pessoas quer que se garanta este direito e esta vida longe daqui, longe da europa. como se a grande ameaça, como se o que de pior pode acontecer é que cheguem estas mulheres e estes homens de outro continente. como se a vida não estivesse toda ela ameaçada porque fingimos que as fronteiras nos protegem de alguma coisa. o medo do outro, da sua história, das suas canções, dos seus hábitos, da cor da sua pele. uma mulher da cruz vermelha abraça um homem que sobreviveu ao mar, que chegou à praia. é um abraço tão humano. tudo o que alguém que se vê desesperado a ponto de sair da sua casa, do seu mundo, da sua língua e vai na direção de outro mundo, outra língua, buscando casa, tudo o que esta pessoa quer é ser abraçada, ser acolhida, um humano e outro humano. os abraços andam, mesmo, muito raros.
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também jacarezinho, e a invasão de áreas indígenas, e a irresponsabilidade com a disseminação da covid e da fome são esta ausência de abraços. é a nossa imbecilidade, a nossa incapacidade de ver um todo que nos leva a combater o outro, a combater a própria vida. sempre me lembro de quando escrevi sobre cidades acessíveis para os cadeirantes e do quanto ficava óbvio que uma cidade boa para cadeirantes é uma cidade muito melhor para todo mundo. um mundo em que não haja miséria, em que todos possamos viver bem é um mundo melhor para todos. é preciso abrir mão de alguma coisa num primeiro momento? sim, é preciso abrir mão.
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enquanto isso, passo ao lado do container de coleta de roupa, de uma organização que dará um novo uso a estas roupas e vejo uma montanha de roupas boas, uma montanha jogada no chão. ligo para o número da associação responsável pelo container. digo que vi a montanha de roupas. ela agradece, diz que quando há mudança de estação todos os dias há sobrecarga nos containers. não entendo bem. ela explica que muitas pessoas se desfazem de todas as suas roupas de inverno quando chega a primavera. pergunto: e no ano seguinte compram tudo novo? ela respira e diz: sim, tudo novo. penso nas minhas roupas. penso num professor de economia que me dizia que o mundo só poderia reduzir a pobreza se se produzisse cada vez mais e cada vez mais pessoas pudessem comprar. e esta é uma mentira tão descabida, tão absurda, mas que está instalada como um deus torto e cruel na cabeça de tanta gente. além de vários outros poréns, há muito tempo o aumento da produção de bens de consumo não gera renda e há muito tempo que também o trabalho não é um redistribuidor de renda. se é que alguma fez chegou a ser.
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observo as árvores do pátio. quase todas ficaram já verdes. algumas de um verde profundo, outras ainda de um verde novinho, fresco. mas quase todas verdes. menos o jacarandá, que logo explodirá em azuis. se bem que as flores do jacarandá mimoso são lilases. o que não quer dizer que as flores azuis não existam. verônica é uma flor azul, por exemplo.
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“na cidade húngara de szombathely, lugar de nascimento fictício do pai de leopols bloom, celebra-se bloomsday nas ruínas de um templo romano e na mansão blum.” pra mim, szombathely era só o nome de um lugar onde parava o trem que vinha da áustria a caminho de budapest, e era o mais próximo da casa do meu avô, pai do meu pai. ali, meus tios foram me buscar uma vez. e depois me levaram ali de volta. ali também uma vez ficamos parados à noite, e os soldados russos entraram com a brutalidade própria dos soldados, revirando malas, perguntando como quem ameaça e nós, espremidos de susto e sono. a luz amarelenta da cabine do trem. o cheiro de cigarro e do medo.
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“El primer isótopo radiactivo extraterrestre hallado en la Tierra ha hecho que los científicos se cuestionen acerca de los orígenes de los elementos que se encuentran en nuestro planeta. Los investigadores han descubierto rastros diminutos de plutonio-244 en la corteza oceánica junto con hierro-60 radiactivo. Los dos isótopos son prueba de los sucesos cósmicos violentos que se produjeron en las cercanías de la Tierra, hace millones de años.
Las explosiones de supernovas crean muchos de los elementos pesados de la tabla periódica, incluyendo aquellos que son vitales para la vida humana, como el hierro, el potasio y el yodo. Para formar elementos más pesados, como el oro, el uranio o el plutonio, se pensaba que era necesario un proceso más violento, como la fusión de dos estrellas de neutrones.
Sin embargo, un estudio dirigido por el profesor Anton Wallner (The Australian National University) sugiere una imagen más compleja. «La historia es complicada; posiblemente este plutonio-244 fue producido en explosiones de supernova o podría tratarse de restos de un fenómeno mucho más antiguo pero más espectacular, como la detonación de una estrella de neutrones», explica Wallner.
El plutonio-244 y el hierro-60 que existían cuando la Tierra se formó a partir del gas y el polvo interestelares hace cuatro mil millones de años, hace mucho tiempo que se desintegraron, por lo que las trazas actuales deben de haberse originado en fenómenos espaciales recientes. La datación de las muestras confirma que se produjeron dos o más explosiones de supernova cerca de la Tierra. «Nuestros datos podrían ser la primera prueba de que las supernovas sí que producen plutonio-244», concluye Wallner.” (texto de Amélia Ortiz, do Observatório Astronômico de Valência)
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há muita, muita coisa no mundo que eu não entendo, quando muito intuo. talvez intuir já seja uma forma de compreender.
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