quando ela
entrou, já quase ninguém no vagão, e mesmo assim falava alto, a contar uma
história como quem cumpre promessa, a promessa de contar mesmo para quem não quisesse ouvir, e ela começou a dizer meu filho errou,
errou sim, e foi preso, mas isso não quer dizer que não seja meu filho, e agora
que ele pagou, e está trabalhando, eu ainda não tenho dinheiro para comprar
gás, e que adianta ter arroz e feijão e óleo se não tem o fogo, e dizia também que
perdoava o filho, e pedia dinheiro, e emendava outra vez na explicação que
mostrava nos olhos uma loucura de quem já não sabe por onde ir ou o que pedir
para reaver o indescritível que perdeu, e ela dizia eu disse isso pra ele,
porque se é deus que tem que perdoar e deus perdoa, quem sou eu pra não
perdoar, e até que foi bom porque na hora que levaram ele, que algemaram ele,
que bateram nele, até ficar só um fiapo, eu não estava em casa, eu estava no
trabalho, e a vizinha disse que bateram com jornal, pra não deixar marca, por
dentro esmaga tudo e até hoje ele tem dor no estômago, mas está vivo e isso eu
digo e digo também que ele já pagou pelo que fez, ele e eu, que sou mãe, eu é
que não ia deixar ele apodrecer ali, estes dois anos, ia lá visitar e eu digo,
eu disse, eu conto aqui pra todo mundo ouvir, que visitar alguém que está na
cadeia, o primeiro dia, a primeira vez, é dar o primeiro passo pra dentro do
inferno, depois tem gente que se acostuma com ser tratado pior que cão de rua,
eu não me acostumei, não, e não vou esquecer, e então foram muitos passos naquele inferno, muita humilhação, e eu digo isso pra ele, pro meu filho: você já pagou
por alguma coisa que fez, mas eu, eu, cada noite que eu vou dormir e lembro, eu
continuo pagando, e por uma coisa que eu, a bem dizer, nem fiz.
e então, sentou em silêncio na minha frente, como quem faz um intervalo de existir.
e então, sentou em silêncio na minha frente, como quem faz um intervalo de existir.
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