13 de maio de 2017

um texto de agota kristof

Exercício de mendicância
(de Um caderno e tanto)

Nos vestimos com roupas sujas e rasgadas, tiramos os sapatos, emporcalhamos o rosto e as mãos. Vamos para a rua. Ficamos parados, esperando.
Quando um oficial estrangeiro passa na nossa frente, levantamos o braço direito para cumprimentar e estendemos a mão esquerda. Quase sempre, o oficial passa sem se deter, sem nos ver, sem nos olhar.
Finalmente, um oficial para. Diz qualquer coisa numa língua que não compreendemos. Ele nos faz perguntas. Nós não respondemos, quedamos imóveis, um braço levantado e o outro estendido. Então ele remexe nos bolsos, coloca uma moeda e um pedaço de chocolate em nossas mãos sujas e vai embora balançando a cabeça.
Continuamos esperando.
Passa uma mulher. Estendemos a mão. Ela diz:
- Pobres meninos. Não tenho nada para dar a vocês.
Ela nos faz uma carícia na cabeça.
Nós dizemos:
- Obrigado.
Uma outra mulher nos dá duas maçãs e uma outra, ainda, biscoitos.
Uma mulher passando. Estendemos a mão. Ela para e diz:
- Não têm vergonha de mendigar? Venham à minha casa que eu tenho uns trabalhinhos fáceis para vocês. Rachar lenha, por exemplo, ou limpar o terraço. Já são grandinhos e fortes para isso. Depois, se trabalharem bem, eu dou sopa e pão.
Nós respondemos:
- Não temos vontade de trabalhar para a senhora, nem queremos comer sua sopa, nem seu pão. Nós não temos fome.
Ela pergunta:
- Então, por que estão mendigando?
- Para saber qual é o efeito que isso faz e para observar a reação das pessoas.
Ela vai embora gritando:
- Vagabundinhos de merda! E impertinentes ainda por cima!
Na volta para casa, atiramos nas touceiras que ladeiam a estrada as maçãs, os biscoitos, o chocolate e as moedas.
A carícia nas nossas cabeças é impossível jogar fora.

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