é o medo da
morte que nos faz ficar em casa.
por mais
voltas que dê meu pensamento, é nesta conclusão que chego. a morte é a única
força que nos imobiliza tão rapidamente.
aqui, por
exemplo, nos primeiros dias ainda passava um carro de polícia chamando a
atenção de quem estava na rua. mas, agora, faz tempo que não passa ninguém. nem
por isso as pessoas saem. não acho que seja solidariedade, não. acho que é
medo, mesmo. da morte.
as notícias
são suficientemente vagas e aterrorizantes para deixar claro que o vírus pode
atingir qualquer um, que as estatísticas procuram explicar em que casos é uma
doença fatal, mas de vez em quando aparecem as exceções e fica mais do que
óbvio que todos podemos ser alcançados e não haverá lugar suficiente nos
hospitais. daí que o nosso medo de que os hospitais fiquem superlotados é o
medo de precisarmos de hospital e não encontrarmos lugar. nós e nossos .... (e
no lugar dos pontinhos você pode completar com filhos, pais, amigos, irmãos...)
como costuma ser a solidariedade: alcança as pessoas que estão de alguma forma
no nosso entorno.
***
penso na
trilogia do kieslovski: azul, vermelho e branco. (no brasil ficou conhecida por
a liberdade é azul, a igualdade é branca e a solidariedade é vermelha. ou
alguma coisa assim.) gosto sempre de ver os três filmes em sequência e na ordem
em que foram feitos. por mais vezes que já tenha visto os filmes, sempre que
chego no final do vermelho, me dou conta do quanto kieslovski me desmonta e me expõe à minha
pequenez: como todos os personagens conhecidos se salvam, a sensação que se tem
é de um final feliz, e não nos importamos com a mega tragédia que mata milhares
de pessoas, que não conhecemos. quando a gente sonha algumas coisas “para o
mundo” em geral sonha só até onde a vista alcança.
esse
momento em que cada um de nós está trancado num quadrado e vendo só o que as
telas nos deixam ver, me dá um pouco de
claustrofobia, porque a vista alcança pouco.
***
uma amiga
me escreve que agora, que não sai de casa, tem todo o tempo do mundo para olhar
as plantas e assim pode acompanhar uma folhinha de manjericão crescendo aqui,
um galinho de hortelã ali.
é, talvez
seja tempo pra isso, mesmo, ver o que cresce em surdina. e se ficássemos todos
em silêncio saberíamos o som do crescer das nossas unhas e cabelos. muito além
de onde a vista alcança.
suspiro.