todas as
noites às oito, batemos palmas nas janelas ou balcões dos apartamentos. a ideia
é reconhecer o trabalho do pessoal da saúde que está na linha de frente para
atender as vítimas do vírus e também para reter sua disseminação, mas eu penso
também em todo mundo que está trabalhando porque são serviços que não podem
parar. reconheço a importância de todas estas pessoas, mentalmente agradeço.
bato palmas. mas sei que sair nas janelas e balcões em uma hora definida do dia
é um jeito da gente se ver e fazer uma espécie de catarse coletiva. de dizermos
uns para os outros que sentimos falta de estarmos juntos e próximos. e é bonito
ver como vão se acendendo luzes e as pessoas vão aparecendo nas janelas,
sozinhas, em dois, três, e batem palmas, há quem toque algum instrumento,
alguém põe uma música feliz. dura no máximo cinco minutos. todos que eu vejo
são desconhecidos, mesmo assim, dá um calorzinho no coração. um sentimento de
seguir fazendo parte de uma humanidade mais ampla, que ultrapassa o vínculo
familiar e próximo.
este
sentimento de fazer parte ficou mais forte hoje quando fui ao supermercado.
estava ansiosa e me preparei desde ontem para sair. foram 12 dias sem sair para
nada, só vendo de longe esses vizinhos dos aplausos, essas luzes que a gente é
sem nem se dar conta. cheguei a pensar em fazer uma volta maior para aproveitar
bem o caminho até o supermercado, sempre do lado ensolarado. mas bastou por o
pé na calçada e ver a cidade fantasma para me fazer mudar de ideia e seguir
direto pra onde eu tinha que ir: comprar comida.
não tinha
fila. nem tinha a alegria própria dos mercados. cada um buscando manter o metro
recomendado de distância, luvas, máscaras, e de vez em quando cruzar o olhar
com algum conhecido. dois minutos passando ali entre as prateleiras e eu já
chorava. de alegria de ver a vida seguir pulsando, mas também chorando pela
impotência diante do caos que tudo isso está acentuando no mundo. as
desigualdades, a pobreza, a falsa ideia de que mais controle sobre nossas vidas
evitaria este tipo de situação. tudo isso misturado me encheu e me enche os
olhos de lágrimas.
me
organizei por dentro, pra conseguir ler a lista e fazer a compra rapidinho.
cheguei em
casa num misto de alívio e vazio. alívio de ter casa e, nela, as pessoas que
amo tanto. e este vazio, o de não saber bem o que fazer com tudo isso. porque
fazer parte da humanidade não é seguir vivendo como viemos vivendo. é fazer o
quê?
e quem é
que sabe?
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