conversamos
sobre figuras de linguagem. metáforas metonímias aliterações jogo de palavras
paradoxos. em geral, as metáforas são usadas para representar todo esse
universo. basta falar em poesia, por exemplo, e já vem a rima de amor com flor.
terra e guerra. guerra.
a metáfora
da guerra não tem saído do meu pensamento. dou voltas, quero escapar disso, e
ela volta. talvez por vir de uma família que nasce do que a guerra provoca –
para o bem e para o mal. não sei. olho em volta, vejo as pessoas, leio as
notícias e isso: guerra. falo com minha mãe e ela também me diz: guerra. o medo
de que nos falte comida, esta incerteza, a suspensão da vida em seu fluxo. mas
não há bombas. é o silêncio que domina as ruas. e, ao contrário de fugir de
casa, é preciso que permaneçamos. uma guerra às avessas ainda é guerra?
então me
chega o texto de daniel innerarity. a guerra não é uma boa metáfora, ele diz.
não há um inimgo. ou, melhor, somos nós os nossos próprios inimigos. porque o
vírus não é bom nem mau. ele existe e é o nosso modo de vida que talvez nos
deixe debilitados diante dele. talvez a nossa lógica política masculina, que
não se preocupa com o cuidado de uns com os outros, é que nos leve à morte. às
muitas mortes. porque o vírus é só uma gotícula de gordura (que qualquer sabão
dissolve) com um dna dentro, que busca uma célula para estar vivo. a nossa
célula. não se pode matar todos os vírus. é preciso não dar espaço para ele. que
o nosso jeito de viver não dê espaço para isso que é invisível e pode estar em
todas as partes.
pensar no
que é invisível e pode estar em todas as partes, me faz voltar para as figuras
de linguagem, para as metáforas. penso que é assim que se fala do deus: o
invisível que pode estar em todas partes. e senhor dos exércitos, neste caso,
se junto as duas metáforas. tudo me fala de combate. de guerra. de esperar que
deus me eleja e me salve, ainda que mate o vizinho. não quero combater, não
quero ser eleita, não quero um senhor.
sei que a
poesia não nos salva de nada. mas pode iluminar o que não está encontrando a
luz. um dos livros de gemma gorga, poeta catalana, se chama muro. se subdivide
em três partes, muradas, murta e murmúrio. murmúrio não precisa explicação. murta é uma planta de
flor muito perfumada. muradas é que me surpreende: “as muradas eram mulheres
que se enclausuravam por toda a vida em uma cela construída no entorno do corpo
e ancorada em geral no muro de uma cidade, igreja ou mosteiro; mantinham-se das
esmolas que as pessoas lhes passavam por uma pequena janela, dedicavam-se à
contemplação e exerciam uma função pública de conselho a quem as visitava. é um
fenômeno urbano, claramente delineado no século xii, que perdurou durante o
resto da idade média”, gorga citando rivera garretas.
mais que
qualquer metáfora, penso nestas três palavras juntadas num muro – muradas murmúrio
e murta. penso em que corpo humano queremos construir, que nos dê imunidade,
que se permita abraços. mais que metáfora, a concretude de aceitar, contemplar
e aconselhar, em meio ao murmúrio desta primavera. e aconchego para todos que
estamos tão cansados.
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